“Ganhar de um menino!”
Essa foi a resposta de uma nadadora australiana ao ser questionada sobre qual tinha sido a melhor parte da conquista do ouro no revezamento misto das Olimpíadas da Juventude de Cingapura-2010. A frase, após a final, acompanhada de um sorriso, não teve tom ofensivo, pelo contrário. Foi espontânea, vinda de uma adolescente com espírito competitivo, algo inerente a um atleta.
Eu vi a cena pois estava lá cobrindo a edição inaugural dos Jogos só para jovens entre 14 e 18 anos. Foi divertido vê-los tão empolgados por estarem em uma competição daquele tamanho. Ouvi, mais de uma vez, que o sonho futuro era disputar as “Olimpíadas de verdade”. Aquelas provas mistas, com meninos e meninas na mesma equipe, inéditas, eram o embrião do que vemos hoje em Jogos Olímpicos.
Nesta semana, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou o programa de competição de Los Angeles-2028, expandindo o número de eventos mistos, que serão em esportes como natação, atletismo, judô, ginástica artística. É também uma forma de aumentar a visibilidade do esporte feminino e atrair público jovem –assim como a inclusão de mais provas rápidas e emocionantes na natação, como os 50m costas, borboleta e peito. Provas mistas têm feito sucesso nos Jogos, como a eletrizante final por equipes do judô em Paris-2024.
Pela primeira vez em Jogos Olímpicos, vagas para atletas mulheres (5.655) vão ultrapassar as dos homens (5.543) (nota aos críticos: trata-se de correção histórica). Haverá paridade em todos os esportes por equipes. E o futebol feminino terá 16 seleções; o masculino, 12.
No entanto, acho que o COI precisa resolver logo a questão da participação de atletas transgêneros. A presidente eleita, Kirsty Coventry, que assume em junho e será a primeira mulher a liderar o COI em 131 anos, se declarou favorável ao banimento e disse que quer seguir discutindo o assunto de acordo com a ciência. Veremos como será na prática.
Hoje em dia, a decisão sobre elegibilidade de gênero é das federações internacionais. Cada esporte é diferente, mas o espectador leigo não entende, e o fato de cada entidade poder decidir individualmente deixa uma impressão de inconsistência que sempre coloca um asterisco ao lado de mudanças positivas. O resultado são polêmicas, às vezes até infundadas e incorretas, que mancham a credibilidade dos Jogos. O modelo em vigor não está dando certo.
Paralelamente, outras questões em relação à igualdade de gênero vêm progredindo. A transmissão oficial olímpica de TV criou regras para não filmar ângulos que sexualizem o corpo das atletas. Há mais compreensão sobre como apoiar competidoras grávidas e avançar em direitos trabalhistas e políticas de licença-maternidade, apesar de, na prática, faltar muito. É preciso que mais mulheres ocupem cargos técnicos, de gestão e liderança. O esporte é controlado majoritariamente por homens que ditam o que as atletas vestem, como ganham patrocínio. Representatividade importa.
Vez por outra, lembro-me daquela final da natação em Cingapura e da nadadora adolescente australiana, que hoje ou está chegando perto ou já passou dos 30 anos. Não sei seu nome, mas espero que tenha conseguido participar das “Olimpíadas de verdade”.