/ Apr 15, 2025

Municípios lideram despesas com pessoal – 11/04/2025 – Mercado

As prefeituras pisaram no acelerador e ultrapassaram os estados na liderança de gastos com pessoal entre os entes da federação. A inversão se deu no mesmo momento em que as contas dos municípios mergulharam no vermelho, alimentando o temor de especialistas de que haja desequilíbrios mais graves no futuro.

Embora os estados também tenham concedido reajustes salariais, o gasto municipal com remunerações de empregados teve uma expansão bem mais veloz. No ano passado, essa despesa das prefeituras ficou em R$ 138,2 bilhões, em média, por trimestre. Isso representa uma alta de 17,6% ante 2019, antes da pandemia de Covid-19. A conta já retira os efeitos da inflação.

O ritmo é cerca de seis vezes o crescimento observado nos governos estaduais na mesma base de comparação. Neles, a despesa com remunerações ficou em R$ 132,8 bilhões por trimestre na média de 2024, avanço real de 2,9% em cinco anos. No governo federal, esse gasto registrou queda de 16% no período.

Os cálculos foram feitos pelo economista Bráulio Borges, economista-sênior da LCA 4intelligence, pesquisador associado do FGV Ibre e colunista da Folha, a partir de dados do Tesouro Nacional.

O novo cenário das finanças regionais e suas consequências para o país são discutidos na série de reportagens “Desafio fiscal dos estados e municípios”.

Alguns fatores podem ajudar a explicar a escalada de gastos com pessoal. As prefeituras, sobretudo as menores, têm um contingente maior de funcionários que ganham o equivalente ao salário mínimo, cuja política de valorização foi retomada em 2023, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Isso já impõe um aumento de custo acima da inflação.

Boa parte da mão de obra dos municípios também é de professores do magistério, cujo piso nacional segue uma regra própria de correção, que acompanha os valores do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica). Como o Congresso Nacional aprovou um aumento bilionário de repasses para o fundo, a variação tem sido significativa.

Em 2025, o piso vigente é de R$ 4.867,77, mais de cinco vezes os R$ 950 que passaram a valer em 2008. Isso representa um crescimento de 412,4%, mais do que os 144,9% de aumento no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) no mesmo período. A correção também supera o ganho de 226,5% observado no salário mínimo.

O presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Paulo Ziulkoski, destaca que cerca de 50% do reajuste do piso do magistério se deu em um intervalo de apenas dois anos, entre 2022 e 2023. Primeiro, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) oficializou a correção de 33,24%. No exercício seguinte, Lula comunicou aumento de outros 14,95%.

A entidade tem orientado abertamente os prefeitos a não implementarem tais percentuais, sob risco de arcarem com um grave desequilíbrio em suas contas.

Durante o governo Bolsonaro, a CNM tentou emplacar no Congresso Nacional uma mudança na regra de correção do piso do magistério. A entidade não teve sucesso à época, mas a pauta segue como uma de suas prioridades.

Procurado, o MEC (Ministério da Educação) diz ter realizado 11 reuniões com entidades da área de educação para discutir uma nova Lei Geral de Carreira e Piso do Magistério. “A proposta abrange, inclusive, regras de atualização do piso do magistério. Estima-se apresentá-la ainda em 2025”, afirma a pasta, sem dar detalhes da proposta. Enquanto isso, as normas atuais seguem em vigor.

Há ainda outro fator que impulsiona os gastos com pessoal nos municípios e que decorre diretamente de decisões dos gestores locais: a contratação de um contingente maior de funcionários.

Segundo o Atlas do Estado Brasileiro, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), as prefeituras empregavam 6,5 milhões de trabalhadores em 2019, entre estatutários, comissionados, temporários e vínculos CLT. O número caiu a 6,38 milhões no exercício seguinte, mas voltou a subir e alcançou 7,1 milhões em 2022, ano mais recente disponível.

A expansão foi puxada por contratações temporárias e para cargos comissionados, que não exigem concurso público. Em dois anos, os municípios incluíram na folha de pagamento mais 290 mil funcionários comissionados e 314 mil temporários.

Nos estados, o total de empregados caiu nos últimos anos (3,44 milhões em 2019 para 3,36 milhões em 2022), mas a proporção de temporários e comissionados também aumentou, segundo o Ipea.

Além disso, os governadores concederam reajustes generosos nos últimos anos, para compensar o período de congelamento de salários entre maio de 2020 e o fim de 2021. A medida foi uma contrapartida de ajuste exigida pelo governo federal diante do socorro oferecido, via transferências extras de recursos, durante a pandemia.

Documentos do Tesouro Nacional mostram que, após uma queda real de 1,8% nas despesas com pessoal em 2021, houve aumentos sucessivos de 6,4% em 2022 e de 7% em 2023. Os dados já descontam os efeitos da inflação e consideram a mediana dos estados, mas houve aqueles que ampliaram os gastos em ritmo acima de dois dígitos.

Como consequência, os gastos com a folha ultrapassaram o limite de alerta da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) em 12 estados, segundo o Tesouro Nacional. O cálculo virou motivo de controvérsia, pois o órgão do Ministério da Fazenda considerou as despesas com OSs (organizações sociais), que, na visão dos estados, deveriam ficar de fora da conta.

As informações agregadas de 2024 ainda não estão disponíveis, mas 12 das 15 unidades da federação que responderam à Folha dizem ter concedido algum tipo de reajuste no ano passado —em alguns casos, acima da inflação.

Há desde revisões gerais, para todos os servidores, até reestruturações por categoria. Em Santa Catarina, por exemplo, o governo concedeu um aumento de 21,5% para as forças de segurança, a ser pago em três parcelas (a última, em abril de 2026).

Alguns estados já aprovaram reajustes para 2025, como Ceará (5,83%) e Goiás (4,83%). Na Bahia, os professores tiveram aumento de 6,27%. Alagoas e Mato Grosso do Sul ainda avaliam possíveis correções. Já o governo de Sergipe diz que não haverá revisão geral de salários neste ano, para manter o estado dentro dos limites prudenciais da LRF.

Bráulio Borges alerta que as despesas com pessoal são mais difíceis de serem reduzidas em caso de desequilíbrio. Por enquanto, a expansão de gastos de estados e municípios tem sido financiada com aumento de arrecadação tributária e, sobretudo, transferências da União (inclusive via emendas parlamentares).

Mesmo que essas transferências não sirvam diretamente ao pagamento de salários, governadores e prefeitos conseguem manejar os recursos do caixa. Assim, os repasses bancam investimentos e outras ações de custeio, enquanto as receitas próprias podem ser canalizadas para reajustes salariais e novas contratações.

O problema surge quando as receitas refluem, seja por mudanças nos arranjos políticos que garantem esses repasses, seja por uma desaceleração na atividade econômica. “Tem uma certa rigidez com esse tipo de despesa [de pessoal], caso seja necessário ajustar. Esse é um lado relativamente ruim [do aumento recente]”, diz Borges.


Série aborda desequilíbrios nas finanças de estados e municípios

A situação das finanças regionais é tema da série de reportagens “Desafio fiscal de estados e municípios”, que a Folha publica nesta semana.

O material mostra como a nova rodada de descentralização de recursos, inclusive via emendas parlamentares, serviu para turbinar as despesas, com consequências relevantes não só para a saúde fiscal desses entes mas também para o cenário econômico e político do país.

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