Um novo e tecnológico caminho passou a ser a aposta de jovens que sonham com uma carreira no futebol. Em vez de tentar a sorte nas tradicionais peneiras dos clubes, alguns dos aspirantes a atleta profissional têm jogado suas fichas em programas com inteligência artificial.

Aplicativos como Footbao e Cuju se valem da tecnologia para fazer a ponte entre os garotos —que muitas vezes não teriam as condições necessárias para comparecer às peneiras— com clubes em busca de reforços.

Por meio dos apps, os jovens gravam vídeos com o celular, nos quais fazem algumas demonstrações de habilidades como controle de bola, chute, passe, velocidade e força.

Com base nas gravações e em ferramentas de inteligência artificial, analistas de desempenho se encarregam de fazer uma primeira avaliação. Na outra ponta, os clubes monitoram pelas telas aqueles que mais despertaram sua atenção e fazem convites para períodos de treinamentos.

“A Footbao tem como objetivo dar oportunidade aos jovens e democratizar as seletivas, além de atender aos clubes com a identificação de talentos”, afirmou Euler Victor, diretor de futebol da Footbao.

“O atleta se cadastra no app, sobe o vídeo e se inscreve para a seletiva dos clubes parceiros. A partir daí, usamos a inteligência artificial no processo de identificação dos vídeos e um analista de desempenho faz uma seletiva online. Caso o jogador se encaixe na demanda, é direcionado ao clube, que o recebe para um período de treinamento.”

A plataforma mantém parcerias com cerca de uma dezena de clubes, entre eles Avaí, Goiás, São Bernardo e Ypiranga.

Fundada na Suíça por Boris Collardi, ex-CEO do banco de investimento Julius Baer, e por Francesco Ciringione, da empresa de investimentos First Consulenza AG, a Footbao conta em seu banco de talentos com a jovem zagueira Glória Gasparini, de 16 anos, que atua nas categorias de base do Corinthians e recebeu recentemente a primeira convocação para a seleção brasileira sub-17.

A plataforma também levou em abril cinco atletas que se destacaram com base nos algoritmos para um período de treinamento no Lecce, da primeira divisão da Itália, que tem Collardi como um de seus acionistas.

“Em muitos casos, as crianças são negligenciadas no processo de seleção. Algumas jogam em escolinhas, mas outras, não. E não há oportunidades suficientes para crescer, ter bons treinadores, desenvolver suas habilidades”, afirmou Sven Muller, diretor de marketing do Cuju.

O app foi desenvolvido pela Rogon, empresa do agente alemão Roger Wittmann, responsável pela carreira de nomes como Joelinton e Roberto Firmino.

O Cuju —nome que remete a um jogo praticado na China nos anos 200 A.C., considerado um precursor do futebol— desenvolveu uma ferramenta de inteligência artificial com base em movimentos de milhares de jogadores profissionais, que servem como parâmetro para ranquear os melhores vídeos. O volante Luiz Gustavo, do São Paulo, atuou como consultor do projeto.

Aqueles que mais se destacam são chamados para partidas em campo reduzido para ser observados por um júri formado por ex-jogadores, além de uma série de olheiros em busca de novos talentos.

Etapas preliminares ocorreram em Florianópolis, Blumenau e Joinville. Os melhores se classificaram para a final, que será realizada em junho, em Itajaí, no centro de treinamento do Barra FC, clube que disputa a primeira divisão do Campeonato Catarinense e a Série D do Campeonato Brasileiro.

O objetivo é expandir o projeto para outros estados do Brasil e para outros países. Em uma segunda etapa, a intenção é tornar a ferramenta um produto a ser vendido a clubes em busca de mais eficiência na busca por jogadores.

Coordenadora da base do futebol feminino do Corinthians, Rafaela Esteves acompanhou a etapa de Joinville e disse ter ficado impressionada com o nível dos jogos.

“Confesso que fiquei bastante surpresa com o nível técnico. E a seleção só é feita por meio do aplicativo, ela nos dá um parâmetro muito valioso”, afirmou Rafaela.

O ex-goleiro Julio Cesar, que atua como um dos jurados do Cuju, disse que a inteligência artificial, além de ampliar as oportunidades, contribui para que os futuros atletas cheguem às equipes mais preparados.

“Por meio da inteligência artificial, você acaba fazendo um processo de monitoramento que faz com que os atletas cheguem aos clubes com uma margem de erro em relação à parte técnica um pouco reduzida”, disse o ex-jogador da seleção brasileira.

Diretor da Roc Nation Sports, empresa responsável pela administração da carreira de atletas como Vinicius Junior, Endrick e Lucas Paquetá, Thiago Freitas afirmou que a incorporação de tecnologia na avaliação de atletas é inevitável. Acrescentou, no entanto, que ela não substituirá o olhar humano.

“Ela vai, sim, mudar a forma como as avaliações iniciais, em lote, serão feitas. Vai permitir que um avaliador se dedique, entre centenas ou mesmo milhares de atletas, somente àqueles que possuem os fundamentos elementares minimamente qualificados”, declarou Freitas.

Consultor de marketing esportivo e professor do Insper, Eduardo Corch disse que, em um país de dimensões continentais como o Brasil, há inúmeros talentos em regiões remotas que não conseguem entrar no radar.

Ele assinalou, contudo, que há limitações a ser consideradas.

A avaliação por vídeo é superficial, pois não permite observar aspectos como tomada de decisão sob pressão, leitura tática e comportamento coletivo, ponderou Corch, acrescentando que há ainda o risco de edições tendenciosas, que comprometem a confiança do processo.

E, embora a proposta seja inclusiva, barreiras tecnológicas ainda afastam atletas sem acesso a equipamentos adequados ou apoio técnico para produzir um conteúdo minimamente profissional.

“De forma geral, essas plataformas têm o potencial de tornar o futebol mais acessível e eficiente na descoberta de talentos, especialmente quando integradas ao processo de scouting tradicional. O grande desafio está em equilibrar tecnologia com avaliação humana, garantindo credibilidade, curadoria e validação das informações apresentadas”, afirmou o consultor.