O peso argentino se desvaloriza frente ao dólar e os títulos soberanos da Argentina subiam nesta segunda-feira (14) após a suspensão parcial dos controles cambiais no país, que vigoravam desde 2019. O dia também era marcado pela visita do secretário do Tesouro do Estados Unidos, Scott Bessent.
Por volta das 13h do horário local (mesmo horário em Brasília), o peso era cotado a 1.210 pesos por dólar, frente aos 1.097 por dólar da semana passada, segundo o estatal Banco Nación, em reação à compra de divisas anunciada na sexta-feira.
Com esta medida, o governo conseguiu um apoio contundente do FMI (Fundo Monetário Internacional), que concederá um empréstimo de US$ 20 bilhões (R$ 116,8 bilhões, na cotação atualizada), com um primeiro aporte de US$ 12 bilhões (R$ 70 bilhões) previsto para a terça-feira (15).
O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento também anunciaram pacotes de US$ 12 bilhões e US$ 10 bilhões (R$ 58,4 bilhões), respectivamente.
A implantação do novo esquema coincide com a visita do secretário de Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, que terá uma reunião com o presidente Javier Milei.
“Não existe mais o dólar oficial, há um dólar único, que é o de mercado”, comemorou Milei em declarações à Rádio El Observador, ao lembrar que a eliminação dos controles cambiários foi uma promessa de campanha.
A eliminação do chamado ‘cepo’ ocorre após semanas de uma crise cambial, que levou o Banco Central a vender mais de US$ 2 bilhões (R$ 11,6 bilhões) para sustentar a moeda.
O esquema anterior fez o câmbio quintuplicar e impulsionou o mercado paralelo.
O novo mecanismo implica uma flutuação da moeda segundo a oferta e a demanda com um piso de 1.000 pesos por dólar americano e um teto de 1.400 pesos. O Banco Central poderá intervir para manter a cotação entre as duas bandas.
A partir desta segunda-feira (14), as pessoas físicas, que antes só podiam comprar até US$ 200 (R$ 1.168) por mês, agora podem adquirir uma quantidade ilimitada de dólares por meio de operações bancárias, e um máximo de US$ 100 (R$ 584) em dinheiro vivo.
Já as pessoas jurídicas precisam esperar até 2026 para enviar dividendos para o exterior.
A incerteza era sentida nas ruas. O trabalhador do setor dos transportes, Leonardo Reta,59, disse à AFP que não conseguiu comprar uma peça de reposição que estava disponível na semana passada.
“Me disseram, ‘Na quarta-feira terei novidades sobre sua peça de reposição’. Terei que ver o valor que vão me cobrar dentro de dois dias. Estão especulando tudo”, comentou.
A rua Florida, no centro de Buenos Aires, onde tradicionalmente são vendidos dólares no mercado paralelo, os muitos cambistas informais, que costumavam oferecer câmbio aos pedestres, não foram vistos nesta segunda.
“Todo mundo está esperando para ver o que vai acontecer”, disse um deles à AFP, sem querer se identificar.
A empregada doméstica Carolina Ramírez, 52, disse confiar nas medidas de Milei, que mantém um apoio entre 40% e 45% segundo as pesquisas de opinião.
“O senhor é muito inteligente. É preciso dar uma chance a ele”, disse.
O governo usou a fixação da cotação do dólar como âncora das expectativas de inflação. As novas medidas geram dúvidas sobre seus efeitos nos preços.
O controle da inflação é o principal capital político do presidente ultraliberal, que este ano passará por seu primeiro teste eleitoral nas legislativas de outubro.
Seu plano rigoroso de austeridade, com ajustes drásticos nas aposentadorias, na educação e na saúde, levou a uma queda da inflação de 211% em 2023 (quando o peso foi desvalorizado em 52%) para 118% no ano passado.
No entanto, a desaceleração do aumento do custo de vida foi interrompida em fevereiro, quando registrou 2,4%, subindo para 3,7% em março passado.
Neste contexto, a algumas horas da chegada de Bessent, um grupo de terapeutas e familiares de pessoas com deficiências protestava na frente da sede do governo contra a falta de financiamento para o setor, exibindo cartazes com a frase “A deficiência não pode esperar”.
“Vive-se com muita angústia, à beira do desespero”, disse Viviana Fernández, psicopedagoga e mãe de uma pessoa com deficiência, que denunciou “atrasos nos pagamentos de muitos meses” e limitações na autorização de benefícios”.
Mas o presidente prometeu que “em meados do ano que vem, acabou o problema da inflação na Argentina”.
Santiago Furiase, membro da direção do Banco Central, também minimizou o impacto inflacionário do novo regime cambiário. “As pessoas vão levar um tempo (para se acostumar), estão há anos com o chip de que a cada vez que o dólar sobe, associa-se à inflação”, disse ao canal La Nación+.
“Certamente, a cotação vai ter uma reação inicial, mas em seguida será uma trajetória rumo ao piso da banda”, acrescentou.