A revisão da vida toda é um caso previdenciário, mas diz muito sobre o Brasil, o comportamento das nossas principais instituições, suas incoerências e idiossincrasias. O STF (Supremo Tribunal Federal), quando precisou se debruçar sobre essa tese, revelou o que é capaz de fazer e o quão frágil é a segurança jurídica institucional que a Corte pode oferecer à sociedade. Num dia, o tribunal é a favor; noutro, radicalmente contra.
Já o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) também mostra que não tem limite para usar do seu poder, enquanto autarquia integrante do governo, e fazer apelos com seus contatos em Brasília, de modo a influenciar negativamente no julgamento da causa, a exemplo da precificação irreal em R$ 360 bilhões para legitimar o argumento de que a revisão iria “quebrar o Brasil”.
Não é só isso.
Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2111, o STF decidiu que valores recebidos por segurados até 5 de abril de 2024 em decorrência da revisão da vida toda não devem ser devolvidos. O marco temporal é a publicação do julgamento da ADI.
É que alguns aposentados conseguiram, enquanto tramitava seus processos, autorização do juiz para acessar o aumento, por meio de liminares ou antecipação de tutela. Conforme decidiu o STF, parte destes não precisarão devolver nada.
Embora o STF somente tenha assim se posicionado em 10 de abril de 2025, arbitrariamente o INSS já vinha desde o início do ano cassando decisões judiciais e cobrando sumariamente os valores, com a rubrica “desconto consignado”.
Conquanto o INSS tenha o direito de realizar a autotutela, quando se trata de decisão proferida por juiz somente o Judiciário deveria desfazer. Ignorando a legalidade, a ampla defesa e o contraditório, o instituto unilateralmente passou a atropelar decisões judiciais, talvez por achar mais rápido e menos trabalhoso.
O uso arbitrário das próprias razões não fica só nisso. Em alguns casos, mesmo sem o juiz ter ordenado o desfazimento, o INSS teve a desfaçatez de colocar no histórico de ocorrência do segurado que aquele ato decorria de “determinação judicial para desfazer revisão da vida toda, retornando ao valor inicial”.
Ao modular os efeitos da decisão, o STF deixou bem claro a excepcionalidade de que apenas nesse caso não irão se cobrar honorários sucumbenciais, custas e perícias contábeis de quem perdeu a ação.
Por outro lado, o STF deixa a oportunidade de quem recebeu o aumento da revisão, por liminar ou tutela antecipada, a partir de 5 de abril de 2024 até hoje ser cobrado pelo INSS para devolver valores.
O curioso é que o instituto tem se revelado austero e veloz para desfazer a revisional. Mas desde 2022 o mesmo INSS tem sido leniente em permitir que milhares de aposentados em todo o Brasil sofram espécie de roubo mensal, na medida em que associações previdenciárias inidôneas fazem descontos ilegais ao seu bel prazer na folha de pagamento.
A revisão da vida toda fracassou. Não teria problema algum se fosse só uma tese previdenciária. Afinal, esse risco é inerente a qualquer processo. A questão é que por detrás da revisão se evidencia também o fracasso das instituições, da segurança jurídica, da coerência, do respeito à lei e do Estado democrático de Direito.