/ Apr 19, 2025

Lacuna de dados contribui para a desigualdade de gênero – 16/04/2025 – Mercado

Embora o Brasil tenha avançado nos últimos dois anos com a sanção de uma Política Nacional de Cuidados, a falta de uma pesquisa independente de uso de tempo ainda é um empecilho para a produção adequada de estatísticas sobre desigualdade de gênero no mercado de trabalho, analisam economistas.

As pesquisas de uso de tempo coletam dados sobre como o passar do dia é distribuído para a população entre atividades alternativas, como trabalho remunerado, doméstico, de cuidado, voluntário, deslocamento e lazer. Elas são consideradas uma forma de visibilizar o trabalho não remunerado de mulheres e sua contribuição para o desenvolvimento econômico de um país e trazem evidências de que mulheres trabalham mais horas totais do que homens, por exemplo.

Hoje, estudos que consideram uso de horas são construídos com base em uma única pergunta feita na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), segundo Luiza Nassif, professora do Instituto de Economia da Unicamp e diretora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia da Desigualdade da USP (Universidade de São Paulo). O padrão ouro, no entanto, seria ter uma pesquisa inteira independente com formato de um diário, para que a pessoa informe com detalhes o tempo que gastou realizando cada tarefa de cuidado.

Um estudo de 2023 com base em dados da Pnad Contínua entre 2016 e 2022 concluiu que, se fosse contabilizado, o trabalho de cuidado feminino acrescentaria ao menos 8,5% ao PIB (Produto Interno Bruto) do país. Incluindo as tarefas executadas por homens, o incremento chegaria a 13%. A lista dos chamados “trabalhos invisíveis” vai desde afazeres domésticos até os cuidados com crianças, idosos e pessoas com deficiência.

Os números, no entanto, ainda são subestimados no Brasil porque, nos cálculos, os pesquisadores multiplicaram as horas gastas no trabalho invisível pela remuneração do trabalho doméstico, uma das mais baixas do país. As mulheres dedicam, em média, 21,3 horas por semana à economia do cuidado. Os homens gastam 11,1 horas. Além disso, as horas gastas são obtidas com base em dados pouco detalhados sobre o uso de tempo.

Embora seja uma recomendação da ONU (Organização das Nações Unidas) que o país tenha uma pesquisa de uso no tempo justamente para que possa calcular o trabalho não remunerado como “conta satélite”, não é o que temos no Brasil.

“[A conta sobre trabalho não remunerado] não entra no PIB, mas deveria entrar no sistema de contas nacionais”, acrescenta Nassif. Quando bem calculado, o trabalho não remunerado pode representar até 39% do PIB de um país, segundo a ONU Mulheres.

No México, o Inegi (Instituto Nacional de Estadística y Geografía, que corresponde ao IBGE) tem uma tradição de fazer pesquisas de uso de tempo. Segundo a representante interina da ONU Mulheres no Brasil, Ana Carolina Querino, a América Latina, de forma geral, é uma das regiões mais avançadas nesse sentido. “São em torno de 19 países que já implementaram pelo menos uma vez pesquisas de uso de tempo. É a região que pelo menos há 40 anos conta com uma agenda regional de gênero”, afirma.

Entender como homens e mulheres utilizam o tempo é importante até mesmo para a formulação de políticas públicas, que sofrem com a falta de informação para elaboração de planos eficientes, afirma Isabela Duarte Kelly, pesquisadora do FGV Ibre, e uma das autoras do estudo mais recente sobre o impacto do trabalho invisível no PIB.

É devido à lacuna de dados que pesquisas paralelas são desenvolvidas para tentar um aprofundamento no tema. A mais recente feita pelo FGV Ibre a partir da sondagem de mercado de trabalho da instituição consultou 6.111 pessoas sobre trabalho não remunerado no último trimestre de 2024 e concluiu que, enquanto 74% dos homens indicaram que as tarefas eram divididas igualmente, apenas 56,7% das mulheres apresentaram essa mesma percepção. Ainda, 38,2% das mulheres afirmaram serem as principais realizadoras desses trabalhos, contra apenas 7,3% dos homens nesse mesmo.

“Em resumo, a gente vê que o trabalho não remunerado impacta muito mais as mulheres do que impacta os homens em questão de acesso e desenvolvimento no mercado de trabalho, aceite de promoções ou até fazer parte de algum tipo de treinamento que possibilite a ascensão profissional. E elas respondem que se sentem mais atingidas com relação aos homens”, diz a pesquisadora.

Segundo Hildete Pereira de Melo, professora da UFF (Universidade Federal Fluminenses) especializada em economia feminista, quando se expõem os dados sobre a contribuição de homens e mulheres para o trabalho, se mostra à sociedade que o trabalho não pago é o trabalho do amor.

“E como o amor não se compra, porque o amor que se compra é prostituição, então falar dele e monetizá-lo é uma forma de realçar a questão e dizer que o trabalho não pago é extremamente significativo para dar continuidade à vida”, diz.

Em 2024, foi aprovada no Congresso a Política Nacional de Cuidados, que estabelece diretrizes para a elaboração de políticas públicas direcionadas a quem recebe cuidados e também quem cuida.

No IBGE, o tema avançou timidamente após discussões no ano passado, e, agora, em vez de uma única pergunta que leva ao tempo global gasto com atividades não remuneradas na Pnad Contínua, a cada atividade citada pergunta-se a quantidade de horas gastas nela.

Segundo Dalea Antunes, coordenadora da Comissão de Relações Sociais de Gênero e Sexualidade do IBGE, a nova abordagem, que já está em campo em 2025, “permitirá maior precisão na mensuração do tempo gasto em cada tarefa”, e também uma análise mais detalhada das atividades que consomem mais tempo sem remuneração. A divulgação dos novos dados serão feitas em 2026.

Além disso, o IBGE fará um teste de captação de informações sobre o uso de tempo em cinco estados, ainda não informados, em 2025, como parte de um módulo da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), ainda sem previsão de divulgação.

Conforme Ana Carolina Querino, a questão envolve também passar a considerar o cuidado como um bem público, que beneficia toda a sociedade. “Perpassa por investir a partir dessa noção de corresponsabilidade, de considerar o cuidado como um eixo de proteção social, como uma atividade que vai contribuir com o desenvolvimento econômico.”

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