Cortes provocados pelo excesso de energia, aumento na contratação de térmicas caríssimas e negativa das distribuidoras em conectar painéis solares à rede. Alguns dos principais problemas do setor elétrico no Brasil poderiam ser solucionados se o país tivesse um mercado maior de sistemas de armazenamento de energia, também conhecidos como BESS.
Esses equipamentos reúnem, dentro de um contêiner, dezenas de baterias, além de conversores e sistemas eletrônicos capazes de armazenar e liberar energia na rede em vários momentos do dia –principalmente naqueles em que a eletricidade é mais cara.
Não à toa, esses equipamentos são hoje os queridinhos do mercado internacional de energia, que vem aumentando a geração de eletricidade de fontes intermitentes em suas redes, como solar e eólica. EUA, Europa e China já têm as maiores capacidades instaladas de BESS e querem expandir para dezenas de vezes mais.
Mas no Brasil esse setor ainda caminha a passos lentos, apesar de interesses já declarados. O governo federal, por exemplo, promete desde o ano passado incluir esses sistemas em leilões públicos, mas a data exata de quando isso acontecerá e quanto de energia será contratado nunca foram divulgados. Já o setor privado, como os grandes geradores de energia, dizem esperar regulações sobre o tema, além de corte de impostos.
Enquanto isso, as fabricantes nacionais de baterias esperam ansiosamente pelo momento em que a demanda crescerá a ponto de agitar o mercado no país.
Weg, Moura e UCB Power disseram recentemente estarem prontas para receber as demandas do setor pelos próximos anos. A primeira, aliás, anunciou no ano passado investimentos de R$ 1,8 bilhões para a produção de baterias em larga escala, e a segunda divulgou uma parceria com a gigante americana Powin para acelerar a produção desses sistemas.
Mas, enquanto a demanda por BESS não vier de fato, essas empresas vão precisar se contentar com a produção de transformadores, conversores e baterias de veículos e telecomunicações, o atual carro-chefe delas.
A Weg, por exemplo, tem capacidade de produzir até 1 GWh (gigawatt-hora) por ano de baterias, mas só 60% disso é usado hoje em dia, sendo que 20% da produção vem de BESS. “A gente pode dobrar os 1 GWh em um ano, se essa for a necessidade do mercado, mas tem que ter demanda”, afirma Carlos Bastos Grillo, diretor superintendente de Digital e Sistemas da empresa.
Já a Moura tem capacidade de produzir 2 GWh por ano de baterias para BESS, mas se limita a 350 MWh. Ainda assim, a expectativa de aumento da demanda pode fazer com que a empresa aumente sua capacidade para 5 GWh.
A UCB, por sua vez, fabricou no ano passado 500 MWh de todo tipo de bateria, sendo que 10% vieram de BESS. “O nosso desafio agora é continuar nessa agenda de crescimento, pensando exatamente onde que a gente vai conseguir sair de soluções de KWh para MWh”, afirma Marcelo Rodrigues, vice-presidente de novos negócios e soluções na empresa.
Mas para isso acontecer é necessário demanda, e a primeira demanda em escala no Brasil, segundo quem acompanha o mercado, precisará vir do setor público, justamente a partir do leilão prometido pelo governo Lula. Isso porque, apesar de terem interesse nas baterias, os grandes consumidores e geradores de energia ainda se sentem inseguros sobre o tema no país.
“Como hoje não existe uma definição regulatória, desenvolvedores de projetos, geradores e consumidores não têm a clareza e a segurança necessária para fazer investimentos nessa tecnologia”, afirma Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar, a associação que representa os grandes geradores de energia solar. “O leilão passa mensagem para o investidor que o Brasil entrou para essa tecnologia e gera uma massa crítica de demanda para atrair desenvolvedores, fabricantes e empresas de engenharia especializadas”, acrescenta.
Outro entrave para que o mercado privado seja sozinho o impulsionador do setor é a falta de previsibilidade sobre os cortes de geração dos grandes produtores de energia do país. Hoje, não há regras claras que permitam essas empresas calcularem quantas baterias precisarão ter em seus parques para armazenar a energia cortada durante o dia.
“Se a sua média de cortes é de 10%, mas em um dia o corte é de 70% ou 30%, a conta não fecha”, afirma Luiz Mello, diretor de eletrificação veicular e armazenamento de energia da Moura. “Se fosse um corte organizado e muito bem planejado, na ordem de 5% a 10%, o investimento se pagaria. Agora, o que eu não posso é ter um BESS gigantesco e depois não estar utilizando esse investimento regularmente todo dia.” Essa lógica, segundo ele, valerá até para quando o mercado estiver pujante no país.
Segundo a Bloomberg NEF, os sistemas de armazenamento de energia nunca estiveram tão baratos quanto hoje em dia. Há dois anos, esses equipamentos custavam US$ 356 por KWh, mas hoje a média é de US$ 165, puxada pelos sistemas baratíssimos da China.
A consultoria calcula que os BESS estão sendo instalados na China por US$ 101 por KWh, enquanto nos EUA e na Europa por US$ 236 e US$ 275, respectivamente. No Brasil, segundo a Absae (Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia), o preço varia entre US$ 169 e US$ 219.
A diferença do preço pode fazer com que as fornecedoras brasileiras passem sufoco quando a demanda chegar. Isso porque algumas empresas chinesas estão de olho no leilão do governo e estudam até mesmo trazer parte de suas produções para o país para evitar os 18% de imposto de importação cobrados pelo governo federal.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, aliás, visita no próximo domingo (20) as operações de várias dessas empresas na China.
A Huawei é uma delas. A empresa já opera no Brasil, mas sua produção de BESS ainda é feita na China, incluindo os cerca de 150 MWh de sistemas de armazenamento negociados com a comercializadora Matrix Energia para instalação em grandes estabelecimentos.
“Ter uma fábrica no Brasil está sendo analisado há bastante tempo, porque hoje a bateria é um grande mercado mundial e tem que ser estudadas as condições daqui, para ter um produto não somente com as mesmas vantagens tecnológicas que a gente produz na China, mas também com preço competitivo”, diz Roberto Valer, diretor de tecnologia da unidade de digital power da Huawei no Brasil.
“A Huawei já está aqui no mercado brasileiro e não é o leilão que vai fazer a gente trabalhar com um grande time, mas iniciativas promovidas pelo governo vão ajudar a impulsionar a indústria e vão chamar atenção para o mercado brasileiro”, acrescenta.
A BYD também avalia produzir esses sistemas no Brasil; a empresa é uma das líderes globais na fabricação de BESS. “A BYD já conhece o Brasil e já tem montagem de bateria em Manaus para ônibus elétrico. Seria uma planta completamente apta para podermos investir, mas tudo depende da escala”, diz Alexandre Baldy, vice-presidente da empresa no Brasil.
Yayoi Sekine, chefe de armazenamento de energia da BNEF, aponta que, ainda que as empresas brasileiras estejam se preparando, o mercado é competitivo, até porque os chineses controlam quase 90% da produção de de baterias no mundo, o que dá vantagem para que eles próprios produzam os demais componentes de um BESS.
“Os produtores brasileiros têm bons números, mas só para se ter uma ideia alguns dos contratos de empresas chinesas para um comprador dos EUA chega a ter escala de 1 a 5 GWh. Então o Brasil teria que realmente crescer bastante em termos de escala”, afirma Sekine.
“E é muito mais fácil desenvolver projetos e ter um portfólio de 1 GWh com um contrato de anos. O leilão pode criar bastante demanda e uma cadeia de suprimentos que pode atender a outras oportunidades além do que é contratado pelo leilão. Mas se isso vai se materializar ou não, vamos ver.”