Vítor Pereira, 56, ainda não conseguiu chamar a atenção do Liverpool, mas tem curtido a vida à frente do modesto, mas tradicional, Wolverhampton.
O clube que já foi três vezes campeão inglês, na distante década de 1950, permitiu ao português realizar o sonho de trabalhar na badalada Premier League, a elite do futebol da Inglaterra.
Sua maior ambição era comandar o gigante da cidade inglesa famosa por ser o berço dos Beatles, mas o trabalho à frente dos “Lobos” tem proporcionado ao treinador o reconhecimento que ele buscava.
Quando Pereira foi contratado, em dezembro de 2024, os Wolves pareciam fadados ao rebaixamento. Em 16 rodadas, haviam vencido apenas duas partidas, ocupavam a 19ª posição e estavam a cinco pontos de distância da linha de salvação.
Desde sua chegada, o cenário mudou significativamente. Nas 16 rodadas seguintes, a equipe obteve oito vitórias, incluindo uma inédita sequência para o clube de quatro triunfos consecutivos na elite inglesa.
Embora ocupar o 16º lugar de uma competição com 20 equipes esteja longe de ser um grande mérito, ao comandar a reação do Wolverhampton e, praticamente, livrá-lo do rebaixamento, Vítor Pereira virou ídolo.
Ele desperta empatia por tentar criar uma conexão mais forte com os fãs. A imprensa inglesa tem feito vários registros do treinador bebendo cerveja com torcedores para festejar bons resultados.
O encontro mais recente ocorreu na última rodada da Premier League, depois da vitória sobre o Tottenham por 4 a 2. Com o resultado, o time chegou aos 35 pontos e abriu 14 para o Ipswich, o primeiro na parte vermelha da tabela, a seis rodadas do fim da competição.
“Trabalho é trabalho, mas depois do trabalho nós precisamos comemorar juntos. Preciso sentir a energia dessas pessoas e fazer parte da família”, disse ele à rede britânica BBC.
Até fazer sucesso com o Wolverhampton, o português era pouco conhecido na Inglaterra —e também não tinha tido nenhuma chance nas principais ligas da Europa.
Entre torcedores ingleses, era mais lembrado por quase implorar para comandar o Everton, no começo de 2022. Na época, chegou a dar uma longa entrevista à Sky Sports para defender sua contratação, o que não foi suficiente para reverter a reação contrária à sua possível chegada. Pichações nos muros do clube diziam: “Pereira sai, Lampard entra”.
O ex-meio-campista inglês acabou contratado. Na mesma época, o português desembarcou no Brasil para comandar o Corinthians, onde construiu bases para ter um forte laço com a torcida, antes de gerar revolta geral.
Com a quarta colocação no Campeonato Brasileiro e uma campanha que quase levou a agremiação paulista ao título da Copa do Brasil —na final, nos pênaltis, deu Flamengo—, o técnico despertou a expectativa de que poderia fazer mais pelo clube na temporada seguinte.
Seus bons resultados foram suficientes até para superar uma polêmica registrada no começo de sua trajetória, quando disse que sairia “correndo” do clube alvinegro se o Liverpool o chamasse.
“Com todo respeito ao Corinthians, mas o Liverpool é o Liverpool”, disse, após um empate por 1 a 1 com o São Paulo, pelo Campeonato Brasileiro.
O episódio estremeceu sua relação com boa parte da torcida, mas ele conseguiu reatar os laços, sobretudo por tentar exibir à beira do gramado e nas entrevistas um estilo intenso, identificado com o clube. Essa sempre foi sua marca pessoal em qualquer trabalho.
Ele mesmo define sua relação com o futebol como uma “doença” e uma “obsessão”.
“É exaustivo”, contou, em uma passagem do livro “A Journey through Portuguese Football” (“Uma Viagem pelo Futebol Português”, 2013), do jornalista britânico Tom Kundert.
“Acredito que me tornei socialmente introvertido. Vivo em um mundo completamente à parte, pensando, trabalhando e refletindo sobre minhas ideias”, disse.
O estilo conquistou os corintianos. O clube fez de tudo para renovar o contrato do técnico para 2023, mas ele travou as conversas, apontando que teria de voltar a Portugal devido à saúde debilitada de sua sogra.
Mesmo contrariada, a torcida entendeu as razões do treinador, que deixou o Parque São Jorge de forma amigável. Um mês depois, porém, os torcedores alvinegros se sentiram traídos quando ele aceitou dirigir o Flamengo.
Nem o presidente do Corinthians na época, Duilio Monteiro Alves, escondeu seu descontentamento: “Acho que ele mentiu, fui enganado”.
A relação com o time da Gávea foi fugaz. Durou menos de quatro meses, com quatro títulos perdidos em 17 jogos. Fracassou na Supercopa do Brasil, no Mundial de Clubes e na Taça Guanabara antes de levar 4 a 1 do Fluminense na final do Campeonato Carioca.
Assim, tornou-se uma espécie de “persona non grata” para as duas maiores torcidas do Brasil.
Ainda em 2023, Pereira se transferiu para o Al Shabab, da Arábia Saudita, onde fez uma espécia de escala para ganhar dinheiro até surgir a oportunidade de voltar à Europa.
Agora, com o sucesso no Wolverhampton, não será surpresa se buscar objetivos maiores.
“Sou um cara ambicioso.”