“Calma, não é o que vocês estão pensando”, dizia Paulo Vieira para as câmeras sob um capuz de farricoco em frente à casa de Cora Coralina. Se essa frase de abertura causa uma estranheza, muito que bem. A Cidade de Goiás agradece o envolvimento e certamente se envaidece com cada um desses detalhes.
Comecemos pelo próprio Paulo Vieira, um dos maiores comunicadores da TV atual. Ele estava vestido daquela maneira para gravar mais um episódio de seu genial “Avisa lá que eu vou”, uma exploração do Brasil profundo, sucesso no GNT e no “Fantástico”. Uma homenagem ao estado em que nasceu.
Com um mala de mão, sua marca registrada nessas reportagens, o goiano Vieira, de Trindade, trajava uma túnica roxa e brilhante, da mesma cor do capuz pontudo, exatamente como dezenas de farricocos que se espalham pela Cidade de Goiás na Semana Santa.
Dá para entender se a imagem te fez lembrar um membro da Ku Klux Klan. Algumas imagens desse ritual pascoalino na cidade que postei nas minhas redes socais provocaram comentários perplexos dos meu seguidores. E é justamente essa confusão que Vieira tentava dissipar na abertura do seu programa.
Fui à Cidade de Goiás na semana passada para o casamento de dois grandes amigos: o agitador cultural Ronaldo Fraga e seu nobre parceiro, Rodrigo Januário. A belíssima e emocionante festa escolheu a cidade como cenário não por acaso.
Fraga quis dar um presente a mais para seus convidados à cerimônia e organizou para que todos estivessem por lá para ver a Procissão do Fogaréu, dia 16 de abril. Às 23h59, 60 figuras coloridas, os farricocos, saíram por aquelas ruas antigas segurando tochas de fogo.
A infeliz coincidência com as roupas identificadas com o culto de supremacia branca nos Estados Unidos logo foi vencida pela força da procissão. A encenação daqueles soldados romanos procurando Jesus para executá-lo resulta num espetáculo que encanta pela força religiosa.
Todas as luzes da cidade são apagadas para a cerimônia e o efeito daquelas figuras inflamadas projetando sombras na multidão que acompanha o cortejo é assustador e cativante. E mais um exemplo de como o Brasil reinventa sua fé católica.
Aquelas ruas, cujas pedras desafiam nosso equilíbrio mais que os claudicantes passeios por Ouro Preto ou Paraty, oferecem outros encantos. Do clássico empadão goiano, com frango, linguiça e guariroba, aos incríveis bordados das artesãs locais, há muito o que explorar pela Cidade de Goiás.
E ainda é possível visitar uma marca de orgulho local, que nos remete ao tempo em que ela ainda era conhecida como Goiás Velho. Ou ainda para um passado mais remoto: a casa onde em 1889 nasceu a grande poetisa Cora Coralina, às margens do rio Vermelho, está lá desde quando o lugar se chamava Vila Boa.
Ali, de maneira inesperada, descobri que os versos de Cora emprestam da cidade a beleza de uma vida que também é muito brasileira. Tão simples e distante que hoje a gente precisa de talentos como Paulo Vieira para nos reconectar com ela. Ainda que de capuz de farricoco.