As denúncias contra Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, são o mais novo problema de uma organização que, nos últimos anos, tem sido alvo de críticas, à esquerda e à direita, com alegações que vão de hipocrisia a elitismo.
A razão de ser do Fórum, sua principal atividade e fonte de recursos, é o encontro anual organizado em Davos, na Suíça. Há mais de 50 anos, presidentes, ministros, magnatas, celebridades e poderosos em geral se reúnem ali todo janeiro para painéis de discussão durante o dia e festas luxuosas durante a noite. Tudo é networking.
Em 2015, o Fórum ganhou status legal de organização internacional para cooperação público-privada por meio de um acordo com o governo suíço. Com a mudança, a governança da organização tornou-se mais complexa e o escrutínio, maior.
Entenda a história e o funcionamento da instituição.
Como surgiu o Fórum Econômico Mundial?
A ideia partiu de Klaus Schwab, 87, um economista alemão com mestrado em administração pública por Harvard. Em 1971, ele organizou o Simpósio de Gestão Europeu, encontro que reuniu cerca de 500 pessoas no vilarejo suíço de Davos.
A motivação era promover o chamado capitalismo de stakeholder, segundo o qual as empresas devem não apenas gerar prosperidade econômica, mas também responder à sociedade e ao ambiente. Assim, o objetivo do encontro era permitir que executivos interagissem diretamente com todos os interessados em sua empresa, além de aprenderem novas técnicas de gestão.
O simpósio arrecadou cerca de 25 mil francos suíços (US$ 50 mil em valores atuais). Esse dinheiro foi direcionado ao Fórum Europeu de Gestão, organização sem fins lucrativos fundada por Schwab naquele mesmo ano.
Em 1987, refletindo a expansão geográfica da empreitada, o Fórum Europeu de Gestão foi renomeado para Fórum Econômico Mundial (conhecido como WEF, na sigla em inglês), e o simpósio passou a chamar-se Reunião Anual.
O que faz o Fórum Econômico Mundial?
A principal atividade do WEF é a Reunião Anual, um encontro que reúne cerca de 3.000 pessoas, entre empresários, políticos, acadêmicos, celebridades e jornalistas, no final de janeiro. A entidade define um tema a ser tratado a cada edição, os painéis de discussão e seus participantes. Em 2025, o tema foi “Colaboração para a Era da Inteligência”.
Além dos debates públicos, que hoje em dia também são transmitidos online, há uma série de reuniões privadas. Para a elite global, o principal atrativo é que todos que importam estão concentrados no mesmo lugar: empresários fazem negócios, políticos fecham acordos. Negociações que durariam meses são resolvidas em dias.
“É como um speed dating de negócios turbinado”, descreve o sócio sênior da McKinsey Enno de Boer em um texto no site da consultoria.
Como ele se sustenta?
Grandes empresas pagam taxas de associação para fazerem parte da rede e ter acesso aos encontros anuais e outras atividades do fórum. Além disso, ele firma uma série de parcerias para projetos em conjunto. Segundo o jornal The Wall Street Journal, a receita anual é de US$ 400 milhões (R$ 2,3 bilhões).
O que mais ele faz além da Reunião Anual?
O WEF também produz uma série de relatórios. Um dos mais conhecidos é um levantamento sobre desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Há também publicações focadas em energia, ambiente, produtividade e projeções econômicas.
O fórum também organiza reuniões temáticas, como os encontros o encontro “Desenvolvimento Sustentável de Impacto”, realizada em paralelo à Assembleia-Geral da ONU em Nova York em setembro do ano passado.
Há ainda dez centros temáticos, como o Centro para Cibersegurança e o Centro para Sistemas Financeiros e Monetários, voltados a aplicar “a combinação única de métodos de impacto da instituição para impulsionar esforços holísticos”, segundo o site da instituição. Em parceria com universidades e empresas, essas ramificações fazem estudos, produzem relatórios e organizam eventos.
A entidade também firma parcerias com outras instituições, como um acordo de cooperação com as Nações Unidas para promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Como é a estrutura de poder do WEF?
Por mais de 50 anos, Schwab foi a autoridade máxima do WEF, exercendo o cargo de presidente-executivo. Em maio do ano passado, ele anunciou seu plano de deixar o cargo e permanecer como presidente não-executivo do Conselho de Trustees. No último final de semana, ele renunciou também a esse posto. Quem ocupa este cargo agora, em caráter interino, é o ex-CEO da Nestlé Peter Brabeck-Letmathe.
A função do Conselho de Trustees é orientar o presidente-executivo e atuar como guardião “de sua missão e valores, supervisionando o trabalho do Fórum na promoção de uma verdadeira cidadania global”. O conselho é composto por 27 pessoas, divididas igualmente entre representantes do mundo corporativo e lideranças de organizações internacionais e da sociedade civil.
Fazem parte do grupo atualmente nomes como o indiano Mukesh D. Ambani, o homem mais rico da Ásia, o ex-vice-presidente americano Al Gore e a diretora do FMI, Kristalina Georgieva.
Abaixo dele está o Conselho de Administração, liderado por Børge Brende, presidente e CEO do WEF e ex-ministro das relações exteriores da Noruega. Este conselho representa o fórum diante de entidades externas, garante que as atividades cumpram a missão do fórum, e presta contas Conselho de Trustees.
Desde o ano passado, com a saída de Schwab do cargo de CEO, Brende passou a absorver cada vez mais suas funções.
O Conselho de Administração é formado por sete pessoas, entre elas Olivier Schwab, filho de Klaus.
Abaixo deles há os oito diretores executivos, responsáveis por áreas específicas. Alguns deles comandam a parte de comunicações e recursos humanos, por exemplo, e outros são os líderes de centros especializados.
Por fim, há um comitê executivo composto por 30 pessoas de diversas nacionalidades que se encarregam de comandar as atividades diárias do WEF —estão aqui os supervisores de áreas regionais, como América Latina, e temáticas, como clima.
Quais são as denúncias contra Schwab?
Em junho do ano passado, o jornal The Wall Street Journal publicou uma longa reportagem com acusações de assédio sexual, racismo e uma cultura corporativa tóxica na entidade.
Segundo a investigação, há alguns anos Schwab decidiu que era preciso rejuvenescer seu quadro de funcionários, por exemplo. Para isso, ele pediu que seu chefe de recursos humanos demitisse todos os profissionais acima de 50 anos. Quando o executivo se negou, Schwab o demitiu, afirma o jornal.
A entidade negou as acusações. Em nota ao WSJ na época, disse que não tolera discriminação e assédio, e que tem um sistema para receber e apurar denúncias. Também afirmou que os ex-funcionários que relataram más práticas à reportagem haviam sido desligados por mau desempenho.
Desde então, a relação entre Schwab e o conselho se deteriorou, de acordo com o jornal americano. Na terça, o WSJ revelou que Schwab e sua mulher, Hilde, são alvo de investigação por suspeita de usar recursos da organização para fins pessoais, como pagamento de massagens.
Hilde preside a Fundação Schwab. No Brasil, a entidade-irmã do Fórum organiza em parceria com a Folha o Prêmio Empreendedor Social, que neste ano celebra sua 21ª edição.
A investigação foi aberta após o Conselho de Trustees receber uma carta anônima contendo as acusações. Os autores afirmam ser atuais e antigos funcionários do WEF. Schwab nega as alegações e disse que pretende processar quem estiver por trás da carta.
Quais são as outras críticas ao WEF?
O fórum é alvo de uma série de críticas, à esquerda e à direita.
Uma das principais é da contradição entre os propósitos declarados e a prática –como o fato de participantes voarem de jatinhos particulares para debater a crise climática. Quando a pauta é desigualdade, críticos acusam a organização de silenciar sobre temas como tributação.
Na outra ponta, há os que atacam a abordagem de temas como crise climática por serem bandeiras que rechaçam. Para esse grupo, avesso à cooperação internacional, o Fórum é o exemplo maior do conluio entre as elites mundiais.
Outra questão é a baixa diversidade: as reuniões são frequentadas majoritariamente por homens. Segundo uma análise de 2020, apenas 24% eram mulheres.