O peso argentino tem desafiado as expectativas de muitos analistas ao evitar uma queda acentuada após a flexibilização de sua taxa de câmbio fixa neste mês, levando o presidente Javier Milei a zombar dos economistas que haviam alertado sobre uma queda maior.
O peso oscilou drasticamente desde sua flutuação parcial em 14 de abril, antes da qual estava fixado em 1.068 por dólar pelo governo, mas na quinta-feira (24) era negociado a 1.175. Isso está bem acima do novo limite inferior de valorização da moeda argentina, de 1.400 pesos por dólar, estabelecido pelo banco central do país, e Milei previu que logo atingirá o limite da banda de maior valorização da moeda, de 1.000 pesos por dólar.
Na segunda-feira (21), quando o peso estava se fortalecendo próximo ao seu valor pré-flutuação, Milei criticou Martin Rapetti, diretor do think-tank econômico Equilibra que havia previsto uma forte desvalorização, no X, chamando-o de “econo-trapaceiro… que se dedica a envenenar o sangue da população”.
Rapetti disse ao Financial Times que a postagem foi “uma tentativa de intimidar” economistas que questionavam as políticas de Milei e “inadequada para o presidente de um país sério e democrático”.
O ministro da Economia, Luis Caputo, também expressou frustração com aqueles que haviam previsto um maior enfraquecimento do peso.
“Esperaríamos uma onda de desculpas de colegas e jornalistas pedindo perdão por dizer às pessoas que estávamos desvalorizando [quando a flutuação da moeda foi anunciada]”, disse ele no X. “Mas tenho certeza de que isso não virá.”
Ao contrário do início deste mês, o banco central não está intervindo no mercado para sustentar o peso, conforme os termos do novo acordo de empréstimo de US$ 20 bilhões (R$ 113 bilhões) de Milei com o FMI.
O FMI pediu ao banco central que não vendesse suas preciosas reservas de moeda forte para fortalecer o peso, a menos que caia para 1.400 por dólar, e, em vez disso, incentivou-o a comprar dólares para aumentar as reservas. Milei disse na semana passada que o banco central não compraria dólares “até que o peso atinja 1.000”.
Embora o peso tenha enfraquecido nos últimos dias, a maioria dos analistas agora concorda que as condições estão a favor de Milei para manter a moeda na metade inferior de sua banda pelos próximos meses, incluindo um impulso sazonal de dólares da enorme safra de soja da Argentina de abril a junho.
A taxa de juros de referência de 29% da Argentina permanece alta o suficiente para incentivar os investidores a se envolverem nas chamadas operações de carry trade, nas quais tomam empréstimos em dólares e os trocam por pesos para comprar ativos locais e receber os juros. O banco central relaxou na semana passada as restrições a investidores estrangeiros para incentivar tais operações.
Enquanto isso, Milei reduziu drasticamente o uso da impressão de dinheiro pelo banco central e reiterou sua promessa de entregar um superávit orçamentário em 2025, o que ajudou a confiança dos investidores.
“Eles colocaram muitas variáveis em jogo que aumentam a oferta de dólares no mercado e reduzem a demanda… incluindo o sinal de Milei de que o peso atingirá o limite superior”, diz Fernando Marull, chefe da consultoria econômica FMyA, com sede em Buenos Aires.
Ele acrescentou que o peso permanecerá volátil nas próximas semanas enquanto o mercado “testa a oferta e a demanda” por uma moeda cuja taxa de câmbio foi controlada pelo governo por mais de cinco anos.
Um fator crucial será a rapidez com que os exportadores agrícolas optam por vender seus produtos. Um peso mais forte incentiva os exportadores a acumular safras, pois significa que recebem menos pesos por seus dólares de exportação. Mas Milei alertou que um corte temporário nos impostos de exportação expirará em junho e instou-os a vender agora.
A pressão sobre o peso pode se intensificar no segundo semestre do ano, à medida que os dólares de exportação diminuem e as eleições de meio de mandato da Argentina em outubro se aproximam. Os investidores tradicionalmente convertem seus ativos em pesos para dólares antes das eleições.
A queda menor do que o esperado na moeda levou alguns economistas a descartar previsões de que a inflação saltaria assim que os controles cambiais fossem suspensos. Conter as pressões de preços é fundamental para a campanha de Milei para as eleições de meio de mandato.
“Não vejo um problema sério com a inflação, a menos que o peso caia muito”, disse Rapetti, do Equilibra.
Mas ele disse que ainda é cedo para Milei declarar vitória na manutenção de um peso mais forte, dado que a taxa de câmbio se valorizou drasticamente no último ano e permaneceu muito acima de sua média histórica em termos reais.
“Ainda acredito que para colocar o país em um caminho que permita tanto uma economia em crescimento quanto reservas crescentes do banco central… a Argentina precisa de uma taxa de câmbio mais fraca”, diz. “O governo conseguiu muito habilmente adiar isso”.