Em várias de minhas colunas, tenho chamado a atenção para o impacto negativo já observado das diversas mudanças climáticas sobre a economia brasileira. Em uma das últimas, apontei evidências de que o agronegócio brasileiro já vem sendo afetado adversamente por tais mudanças. Mas ainda há pessoas que insistem em não reconhecer o problema. Assim, resolvi explorar um pouco mais esse tema hoje.
Eu inicio citando um estudo acadêmico publicado no ano passado, de autoria de dois pesquisadores brasileiros ligados à Esalq/USP, Humberto Spolador e André Danelon. Utilizando dados bastante desagregados obtidos em três Censos Agropecuários (1995, 2006 e 2017), eles estimaram quais são os fatores que afetam a produtividade da agricultura brasileira.
A principal novidade é que, além de incluírem os insumos mais óbvios —como terra e maquinário—, eles também incluíram variáveis climáticas, temperatura e chuvas. O exercício conduzido por eles apontou que, quanto maior a temperatura (sobretudo no verão e no outono), menor a produção. Já no caso das chuvas, quanto maiores as precipitações, maior a produção (até um determinado limite, já que chuvas excessivas passam a gerar impacto negativo).
Desse modo, eles apontaram que a chamada produtividade total dos fatores na agricultura brasileira subiu cerca de 2% ao ano entre 1996 e 2017. Importante notar que esse conceito de produtividade é diferente daquele mais simples, de toneladas por hectare, uma vez que os autores levaram em conta o valor monetário da produção e vários insumos (não somente a terra).
O que mais chama a atenção nesse estudo é que eles estimaram que, não fossem as mudanças climáticas (aumento da temperatura e redução das chuvas), a produtividade sistêmica da agricultura brasileira teria crescido quase 3% a.a. Portanto, as mudanças climáticas já vêm afetando negativamente o agronegócio brasileiro.
Com base nas estimativas deles, eu construí uma espécie de cenário contrafactual para saber quão maior seria o PIB do agronegócio brasileiro hoje caso não tivéssemos observado essas mudanças climáticas desfavoráveis. Tomando por base as estimativas do Cepea/Esalq referentes a 2024, eu estimo que o PIB da agricultura teria sido cerca de R$ 113 bilhões maior sem esses efeitos negativos.
Expandindo isso para o agronegócio como um todo (ou seja, levando em conta a cadeia de insumos, agroindústria, transportes, serviços etc.), chego a um valor próximo a R$ 460 bilhões. Ou seja: as mudanças climáticas acumuladas nos últimos 30 anos subtraíram quase meio trilhão de reais do PIB do agronegócio no ano passado.
Mas esses valores possivelmente estão subestimados. Em primeiro lugar, porque eu considerei que somente a agricultura teria sido impactada adversamente, ignorando a pecuária. Ademais, extrapolei as estimativas de impactos climáticos dos autores do período 1995-2017 para 2018-2024. Há diversas evidências de que as mudanças climáticas se acentuaram nos últimos anos, particularmente no caso das chuvas: no Brasil, as precipitações no período 2018-2024 foram 17% menores, em média, em relação a 1995-2017, de acordo com dados do Inmet.
Com efeito, para que o agronegócio brasileiro continue se desenvolvendo, ofertando cada vez mais alimentos e biocombustíveis para o país e o mundo a preços razoáveis, é preciso impulsionar a adoção de medidas de mitigação (como a redução das queimadas e desmatamentos, sobretudo na floresta amazônica), de adaptação (como o aumento da irrigação), além de práticas mais sustentáveis (como a agricultura regenerativa).