“Por que você está fazendo isso consigo mesma?” É assim que uma amiga me respondia, rindo, quando eu contava que tinha me inscrito para uma meia ou uma maratona.
A frase dela, geralmente quando nos encontrávamos em um evento social em que eu, em vez de pensar nas taças de vinho que poderia estar bebendo, planejava os géis de carboidrato que tomaria no treino na manhã seguinte, faz sentido.
Ninguém corre provas de longa distância apenas porque gosta de corrida, especialmente uma maratona. Quem, em sã consciência, submete o próprio corpo a quatro, seis meses de rotina rígida, percorre centenas de quilômetros muitas vezes de madrugada ou tarde da noite, se priva de vida social para, no dia da prova, sofrer por no mínimo três horas (se for um homem muito bem treinado; a maioria leva pelo menos quatro)? Não satisfeitos, quando a dor no corpo passa, dias depois, por que diabos queremos fazer tudo de novo?
Parece maluquice, mas tem explicação. Assim como não se correm 42 km só pelo prazer da corrida, também não é por masoquismo. Quem sonha completar uma distância como essa quer provar algo a si mesmo. E isso é bom.
Quando levantamos do sofá e fazemos exercício físico, vamos contra a natureza humana. Desafiamos nosso cérebro, que teima em nos mandar a mensagem de que temos que estocar comida e economizar energia em nome de nossa sobrevivência. Fica ainda mais difícil porque, às vezes, a sensação de prazer bate mesmo só depois que ele acaba.
Mas, além de deixar nosso corpo forte e resistente e nos ajudar a ter uma velhice saudável, saber que não é possível correr uma maratona sem estarmos preparados nos obriga a ter disciplina. Estabelecer uma rotina de treinos, um compromisso conosco, fazer algo difícil intencionalmente traz resiliência e envia outro recado para o cérebro: que podemos confiar em nós mesmos em momentos de dificuldade. E isso impacta todos os setores da vida. Para mim, corrida é como fazer terapia de graça.
Recentemente, fiz outro acordo comigo mesma. Em Londres, moro no quarto andar e decidi sempre descer e subir de escadas, a não ser que esteja carregando algo muito pesado ou acompanhada. Quando estou no Rio, saio para correr e, na volta, subo de escadas até o oitavo andar.
Não existe idade para tomar gosto pela atividade física. O médico e maratonista Drauzio Varella, que considero exemplo e inspiração, já disse que começou a correr aos 50 anos de idade. Ao completar a Maratona de Londres, recebeu a famosa mandala por ter feito as seis majors, as principais provas de 42 km do mundo: a da capital inglesa, Boston, Chicago, Nova York, Berlim e Tóquio. Isso aos 79 anos.
No ano passado, tive o privilégio de correr a maratona de Londres e, neste domingo (27), serei espectadora. Um bônus desta edição é ver o supercampeão Eliud Kipchoge competir. Nunca se sabe quando será a última prova do queniano, é bom aproveitar.
Para quem vai correr essa prova ou outras maratonas neste ano: só você sabe o quanto treinou, sofreu, abriu mão de momentos de lazer com a família e com amigos, madrugou, investiu tempo e dinheiro.
Valorize cada momento e se orgulhe de ter chegado até aqui. O mais difícil está feito. Agora, vá lá pegar sua medalha, aproveite, divirta-se.