/ Apr 25, 2025

Quem é a criança da escola pública? – 24/04/2025 – Políticas e Justiça

O Palácio Capanema foi a primeira sede do Ministério da Educação. O prédio, ainda hoje imponente no centro do Rio de Janeiro, construído nos anos 1930, simbolizaria a modernidade da república. Para o ministro Gustavo Capanema, o edifício ainda representaria o objetivo da escola pública, de “preparar, formar e moldar o homem do Brasil”.

Capanema solicitou a criação de uma escultura de 30 metros, “O Homem Brasileiro”, a ser colocada em frente ao prédio, que traduziria o cidadão que o ministério deveria educar. Influenciado por ideias eugenistas, ele acreditava que esse brasileiro seria branco, com traços europeus do “tipo mediterrâneo”. Celso Antônio, o escultor da obra, criou uma figura que representava a miscigenação, para retratar, nas palavras dele, “o homem daqui” e não “o homem de fora”.

Essa diferença de visão gerou polêmica no governo, na imprensa e entre intelectuais. A escultura nunca foi exposta.

A anedota do “Homem Brasileiro” evidencia que formuladores de políticas públicas se baseiam em estereótipos que nem sempre correspondem à realidade. No caso da educação, esses estereótipos recaem sobre a criança da escola pública, muitas vezes vista como incapaz, desmotivada ou naturalmente fadada ao fracasso escolar. Fatores de classe e raça reforçam essas construções: crianças negras e pobres são frequentemente percebidas como carentes de cultura, disciplina ou interesse pelo aprendizado, enquanto seus contextos familiares são considerados desestruturados ou pouco engajados com a escola.

Outras concepções as retratam como um problema a ser resolvido ou como indivíduos que precisam ser moldados para se adequar a padrões socialmente aceitos e às demandas do mercado de trabalho. Essas generalizações influenciam decisões políticas e pedagógicas, reforçam desigualdades estruturais e ignoram as reais necessidades dos estudantes, dificultando suas trajetórias escolares e pessoais.

Houve iniciativas para romper com essa lógica e construir políticas voltadas para as demandas prioritárias da criança da escola pública. Dentre elas, destacam-se as políticas implementadas por Paulo Freire, na cidade de São Paulo, e por Darcy Ribeiro, no estado do Rio de Janeiro, na esteira da redemocratização. Ambos buscaram enfrentar desigualdades estruturais e valorizar os sujeitos da educação pública, promovendo reformas que levassem em conta as condições concretas dos estudantes e a participação da comunidade escolar. No entanto, essas experiências são exceções.

A formulação de políticas educacionais apoia-se majoritariamente em indicadores quantitativos, que, embora relevantes, não capturam a complexidade dos desafios da educação pública. A construção de políticas eficazes exige diagnósticos que considerem as desigualdades sociais, as dinâmicas escolares e o impacto dos estereótipos sobre os estudantes. Além disso, a articulação com a comunidade escolar é central para que as decisões reflitam a realidade dos diferentes contextos educacionais.

Apenas com uma abordagem que vá além dos números será possível garantir que a escola pública reconheça e atenda às necessidades de seus alunos, promovendo uma educação mais equitativa, justa e menos orientada por estereótipos.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Marcella Winter foi “Things It Would Have Been Helpful to Know Before the Revolution”, de Father John Misty.


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