/ Apr 26, 2025

Consignado depende de perfil do empregador, diz CEO do BB – 26/04/2025 – Mercado

Em seus mais de 200 anos, o Banco do Brasil teve pela primeira vez uma mulher no comando em 2023, quando a funcionária de carreira Tarciana Medeiros, 46, foi indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para comandar a estatal.

Apesar de já exercer cargos de chefia há anos, ela nunca imaginou sentar na cadeira de CEO. Além de mulher, ser preta, nordestina, lésbica, mãe e esposa também não jogavam a seu favor em um meio ainda conservador. “Já tinha pensado em ser vice-presidente, mas CEO nunca tinha pensado”, disse ela à Folha.

Antes de ingressar no BB, Tarciana trabalhou desde a infância com os pais, como feirante, em Campina Grande (PB), sua cidade natal. Depois, foi professora. Em 2000, passou no concurso do banco e foi trabalhar em uma agência de Posto da Mata (BA), em 2000. Se aperfeiçoou, com graduação e pós em administração, e cresceu na instituição. Ocupou diversas funções de liderança nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. De 2013 a 2018, foi Superintendente Comercial da BB Seguros.

“Nunca imaginei que algum dia eu ia atender o telefone do presidente da República para tratar de alguma coisa”, afirma. “Ele é um gestor muito hábil e o melhor leitor de pessoas que já conheci na vida. Mas eu converso bastante com o ministro Fernando Haddad, que também é meu gestor. Lidar com os dois é um doutorado avançado em gestão.”

O BB é um dos principais canais de distribuição do novo consignado CLT, uma aposta do governo Lula para reduzir a inadimplência das famílias e alavancar sua popularidade. De cerca de R$ 8 bilhões já concedidos nesta modalidade lançada ao fim de março, R$ 2 bilhões vieram do Banco do Brasil.

Tarciana acompanha em tempo real a concessão de crédito do banco. “No dia que o painel não está andando do jeito que eu estou esperando, aí eu ligo para os vice-presidentes, ligo para os diretores. É bom que eu conheço todo mundo.”

Como está a contratação do novo consignado CLT no Banco do Brasil?

São mais de R$ 2 bilhões do crédito do trabalhador em pouco mais de um mês. Só para você ter noção, o banco tinha acumulado uma carteira de crédito CLT [sob o antigo modelo] de R$ 1,5 bilhão, após crescer 35% em 2024. Então, conseguimos, em pouco mais de um mês, fazer mais do que a gente fez na história toda.

E qual o perfil deste contratante?

Aproximadamente 70% [das contratações] têm sido para liquidar dívidas mais caras. Em torno de 33% das dívidas liquidadas são aqui do banco mesmo, e 38% são outras dívidas do mercado. Acompanhamos a liquidação de boletos, Pix para outras instituições, liquidação de outras operações, aquele tipo de pagamento identificado. Esse é um cliente que só tinha acesso a condições mais caras de crédito. Ele ia se financiar ou por limite de cartão de crédito, ou por crédito pessoal, que normalmente tem uma taxa de juros bastante elevada.

Essas contratações foram feitas por quem já era cliente BB?

Não, conseguimos 4.000 novas contas, mas mais de 90% é com clientes que já eram. Mas, mesmo quando não é nosso cliente, o grande entrave que tínhamos era o de conhecer o empregador. Para analisar a pessoa física, eu vou buscar dados de Serasa, do SPC, mas o maior nível de risco [do novo consignado] é do empregador.

Quando eu vou estudar se eu concedo ou não crédito para uma pessoa, eu vejo quem é o empregador, se ele tem dívida, se ele tem dívida de imposto ou de tributo, isso a plataforma já entrega para nós. Ela também informa há quanto tempo aquele funcionário está vinculado àquele CNPJ. Então, essa análise de concessão ou não do crédito para esse trabalhador CLT ficou muito mais simples de fazer.

Vocês delimitaram regras para a concessão deste crédito com relação ao tamanho da empresa e ao setor que ela atua?

Não, a análise é caso a caso. Por exemplo, observamos uma companhia em que os funcionários começaram a pegar o novo consignado no banco. Foi um, dois, dez, e fomos prestar atenção nessa empresa. Ela já está no mercado há muitos anos, sem alavancagem ou tributos não pagos, mas a média de salário é em torno de dois salários mínimos. Então, para o trabalhador conseguir um acesso a crédito com essa média de salário, sendo CLT, levando só o contra-cheque, seria praticamente impossível no mercado. Ligamos para os clientes para entender: ‘você trabalha na empresa há quanto tempo? Ela paga em dia, direitinho?’. E já mandamos a oferta para todos os funcionários.

Há também o contrário, de quem é cliente do banco há 20 anos e recebe o salário no Banco do Brasil, embora eu não tenha um convênio com a empresa, mas eu conheço a pessoa. Então, eu empresto porque eu conheço a pessoa. Ou eu passo a emprestar porque passei a ter informação da empresa.

A plataforma trouxe esse conjunto de informações que é muito precioso para analisar risco de crédito. Faz toda a diferença na concessão para a pessoa física.

Qual é a taxa média que vocês estão ofertando neste novo produto?

A taxa é por cliente, mas vou te afirmar: você não vai ver crédito consignado do Banco do Brasil a 6%, 5,5% [ao mês]. Isso não vai acontecer. Nós não vamos ter. Se é consignado, se tem garantia, essa taxa precisa ser condizente com a garantia que está sendo ofertada e com o perfil do cliente que está vindo e com o prazo contratado. O crédito, em boa parte das empresas, vai até 48 meses. E isso é interessante para não superendividar as pessoas. Sabemos que, se o crédito vai até 48 meses, mais ou menos no 24º mês, o cliente vem buscar crédito novamente. Então, a partir desse instante, começamos a entender essa rotatividade da carteira e os níveis de preço.

A taxa deve cair mais com o funcionamento as garantias do FGTS? Caso o funcionário seja demitido, o banco vai poder acessar o saldo do FGTS, ou a rescisão contratual.

Isso já está funcionando, sempre esteve habilitado. Te digo pelo próprio Banco do Brasil, aqui somos celetistas. Então, quando acontecia alguma demissão, já exercíamos o acesso ao FGTS, com a autorização da pessoa. Dizem que não está funcionando porque ninguém precisou pedir. Na hora que for pedir, vai funcionar. Há uma falácia em relação à plataforma, porque já temos o crédito de saque-aniversário do FGTS. É o mesmo mecanismo, é o mesmo caminho. O que é que não está funcionando ainda? A integração à plataforma [do novo consignado]. Mas, eu, como banco, vou lá no FGTS, vou lá na Caixa Econômica e exerço o meu pedido de liquidação da operação, porque eu tenho a autorização da pessoa para buscar esse crédito. Eu não estou reclamando de nada. Estou achando ótimo.

A sra. vê a possibilidade de o governo colocar um teto de juros nessa modalidade, como no consignado INSS?

Por enquanto, não foi discutido nada em relação a teto de juros. Até porque a gente está falando de pessoas que tinham acesso a crédito entre 8% e 10% hoje. Então, é um momento de autorregulação mesmo do mercado em relação a essa questão de preço, para a gente entender risco, entender perfil.

Com relação ao agronegócio, que vive um momento inédito de recuperações judiciais, o quanto isso está pressionando o banco e qual a perspectiva para este ano?

Essa inadimplência do agronegócio acaba ficando um pouco mais resistente, como já esperávamos até pelo cenário de Selic mais elevada, mas deve se normalizar ao longo do segundo semestre porque estamos no momento de desembolso final do Plano Safra e de colheita e venda da produção. Então, estamos no momento de liquidação das operações da safra passada e de recontratação de algumas linhas de crédito. E essa safra de 2025-2026 vai ser recorde. A safrinha acabou de ser colhida agora é bem maior do que a de 2024, e temos conseguido negociar com os clientes que tinham pendências.

Fizemos um trabalho cliente a cliente falando sobre a advocacia predatória e sobre as consequências de uma RJ [recuperação judicial] para um cliente agro, que é bem diferente da RJ de pessoa jurídica. E muitos produtores que estavam mais alavancados, por causa de seca e cheia dos anos passados, estão renegociando e buscando solução. Percebemos uma redução significativa das RJs. Então, vejo esse ano de forma bastante otimista, mesmo com a Selic mais alta.

O que a gente vai ter que analisar muito de perto é a concessão de crédito para a pequena empresa, que temos uma carteira considerável. Temos que observar melhor e orientar para não superendividá-la e causar inadimplência adiante. A inadimplência da PJ, da pequenininha, vem bem controlada e a gente tem tratado muito de perto essa concessão, mostrando quais são os efeitos de tomar crédito numa Selic mais elevada. Estamos menos agressivos em dar crédito que em 2024.

No ano passado, o pedido de reajuste salarial para o seu cargo e demais estatutários foi alvo de críticas por parte de alguns funcionários do BB. Por que se deu essa polêmica e o que foi resolvido a respeito disso?

O processo de salário de CEO, em qualquer S.A., é uma proposição do conselho de administração. Para isso, todos os anos, fazemos um processo de análise interna de diferenciação salarial dos estatutários do banco em relação aos estatutários do resto mercado para subsidiar o Conselho na decisão de que índice [de correção] eles vão definir e encaminhar à assembleia. Esse índice não é elaborado por mim. Vale lembrar que entre 2016 e 2022, os administradores do BB não receberam qualquer ajuste e, ao longo desse período, o superintendente, por exemplo, já estava com salário maior que o diretor. Então, levamos ao conselho um alerta do risco de eu perder esses profissionais para o mercado. Mas tenho um acionista controlador, que é o governo federal, então, temos que ter a sensibilidade de analisar que há outras empresas estatais, Caixa, Petrobras, BNDES.

Não é uma análise pura e simples do salário do estatutário do Banco do Brasil. Por que que não coloca o mesmo salário do mercado? Porque a gente é diferente do mercado mesmo. Há um processo de formação e de encarreiramento, diferente de eu pegar um profissional do mercado para botar em uma determinada função. Não é uma discussão trivial. Se fosse, já estaria resolvida há um bom tempo.

Como é ter o presidente da República como seu chefe?

Nunca imaginei que algum dia eu ia atender o telefone do presidente da República para tratar de alguma coisa. É uma honra imensa. Tenho aprendido muito. Ele é um gestor muito hábil e o melhor leitor de pessoas que já conheci na vida. Mas eu converso bastante com o ministro Fernando Haddad, que também é meu gestor. Lidar com os dois é um doutorado avançado em gestão.

Acho muito interessante que o presidente se preocupa mesmo, pessoalmente, com as questões do país. Em relação ao banco, eu vou lá, a cada três meses, sento com ele e apresento o andamento da estratégia do banco, assim como eu entrego para os demais investidores. E ele tem perguntas específicas. Como que está com a agricultura familiar? Se o nível de endividamento está adequado? Se os indígenas têm acesso ao crédito, e todo mundo que está precisando está tendo acesso? Onde não está? Por que não está? Ele é muito preocupado com essas questões. Se a gente está conseguindo fazer o que a gente se propôs a fazer, também em relação a inclusão e diversidade no BB.

Ele vê a estratégia corporativa do banco e pergunta “tal número aqui, como é que está isso aqui?” sobre números que eu nem lembrava mais que estavam naquele relatório. Ele lê alguma reportagem sobre um outro banco e me pergunta se o Banco do Brasil faz aquela operação.

Algo que me impressiona muito no presidente é a capacidade que ele tem de tratar de assuntos diversos de maneira profunda. Para ir conversar com ele, o nível de preparação é grande.

O presidente Lula também é aberto a sugestões?

Completamente, ele é uma pessoa que, se ele te pede uma opinião, ele quer a sua opinião franca, e como leitor de pessoas, ele sabe se a sua opinião está sendo honesta ou não. O melhor dessa relação, até hoje, é que eu sempre pude ser eu mesma.

A sra. já tinha pensado que poderia chegar à presidência do Banco do Brasil?

Não. Presidência do banco, não. Já tinha pensado em ser vice-presidente, mas CEO nunca tinha pensado.

Foi uma surpresa?

Depois que eu comecei a conversar com o presidente, não mais. Já fiquei presidenta.


RAIO-X | TARCIANA MEDEIROS, 46

Natural de Campina Grande (PB), é bacharel em administração de empresas e pós-graduada em administração, negócios, marketing, liderança e inovação. Eleita pela Forbes, em 2023 e 2024, uma das 100 mulheres mais poderosas do mundo

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