Juliana Sztrajtman, 48, ama contemplar o pôr do sol. É algo que ela faz não só nas férias ou quando vai à praia, mas da própria sala, no 23º andar da torre E do Complexo JK, na zona sul de São Paulo, onde está a sede da Amazon no Brasil.
“São momentos que me inspiram, que dão um descanso para a mente. É importante para se reenergizar, para voltar ao dia a dia”, diz a presidente da Amazon no país, na função desde janeiro deste ano, quando sucedeu Daniel Mazini, que deixou a empresa americana.
A executiva formada em publicidade, que passou a maior parte da carreira nas áreas de marketing e vendas da Amazon e da Johnson & Johnson, precisa de energia redobrada neste ano. De acordo com dados da consultoria Varese Retail, obtidos com exclusividade pela Folha, a Amazon perdeu para a Shopee o terceiro lugar no ranking dos maiores varejistas online do Brasil em 2024.
Enquanto a Amazon cresceu 56% em GMV (vendas brutas pela internet, sem contar devoluções e cancelamentos), atingindo R$ 39 bilhões, a Shopee, que tem sede em Singapura, dobrou de tamanho, atingindo R$ 40 bilhões. Nenhuma das duas empresas abre vendas por país. Mas o avanço da Shopee já ameaça até o segundo colocado, o brasileiro Magalu (R$ 46,2 bilhões em 2024) —todos ainda distantes do argentino Mercado Livre, líder com vendas de R$ 138,9 bilhões no Brasil.
O avanço da subsidiária brasileira da Amazon desde 2019, quando se tornou um marketplace de verdade, indo muito além da venda de livros e do leitor digital Kindle, é inconteste: de um único CD (centro de distribuição) em São Paulo, passou a 12 unidades nas regiões Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Nordeste. De zero hub logístico (estação de separação de mercadorias para entrega), saltou para 140. Ao todo, são 150 polos logísticos no país.
Hoje a empresa tem 78 mil vendedores cadastrados no marketplace (“sellers”), onde soma 150 milhões de produtos –um ano atrás, eram 100 milhões. Desde o final de 2011, quando desembarcou no país, a Amazon afirma ter investido mais de R$ 33 bilhões. Mas a briga com os asiáticos tem sido feroz.
“Temos uma ambição muito grande para o Brasil neste ano, o país é um grande foco de investimentos, vamos investir na malha logística e seguir fazendo contratações. A gente trabalha para acelerar o tempo de entrega”, diz Juliana, que tem um desafio adicional em 2025: manter as políticas de diversidade da Amazon no Brasil, em meio à onda conservadora que tomou conta de grandes empresas americanas após a eleição de Donald Trump nos EUA.
“Nada mudou por aqui”, diz ela, a primeira mulher a comandar a Amazon no Brasil e a única presidente de uma grande operação varejista no país. “A Amazon é americana, mas aqui a gente opera com a cara do Brasil, adaptando a operação para entregar o produto que o brasileiro quer, com preço competitivo para o brasileiro.”
No seu perfil no LinkedIn, a sra. diz que gosta de trabalhar com “equipes multifuncionais para entregar resultados em ambientes complexos e ambíguos”. Dirigir a filial latina de uma empresa americana em plena era Donald Trump representa esse ambiente complexo e ambíguo?
Independentemente da questão política, eu gosto de trabalhar com equipes multifuncionais e diversas. Importa trabalhar com a diversidade de pensamento, de perfil, e multifuncionais, porque isso também é sobre diversidade, equipes que vão olhar mais para o lado de vendas, de marketing, mas todo mundo centrado no consumidor.
A gente tem um princípio de liderança aqui na Amazon, que é uma das coisas que me fez vir para cá: somos obcecados pelo cliente. De verdade. Qualquer projeto começa pensando no que a gente quer entregar para o cliente. Quando o projeto for entregue, o que o cliente vai ter?
E nada melhor do que trabalhar com equipes diversas e multifuncionais que vão olhar todos os ângulos, se questionar, um aprender com o outro e chegar ao melhor resultado.
No final de 2024, a Amazon global disse que estava revendo sua política de diversidade. O que mudou aqui no Brasil? Qual o percentual de negros, mulheres?
Eu não vou ter os percentuais para te falar, mas não mudou nada, diversidade continua sendo uma pauta importante para a gente no Brasil. Trabalhar com equipes e pessoas com diferentes estilos, experiências, com equidade de gênero, raça, a comunidade LGBTQ.
Temos os chamados ‘grupos de afinidade’, que fazem uma série de trabalhos, desde letramento sobre o tema, porque todo mundo precisa aprender sobre isso, e entender como está o processo de inclusão e trazer exemplos. Temos um que fala de gênero, o Women at Amazon, outro sobre raça, o BEN–Black Employee Network, outro sobre pessoas com deficiência, o PWD, e o Glamazon, da comunidade LGBTQ. No meu caso, o fato de eu estar nessa cadeira hoje pode ser um exemplo para outras mulheres e meninas que me veem e pensam: ‘É possível’.
A Amazon tem 31 anos e é uma das maiores operações de comércio eletrônico do mundo. Mas a singapurense Shopee, uma das principais rivais da empresa, foi criada em 2015, e a chinesa Temu, que já é o aplicativo de compras mais baixado globalmente, nasceu em 2022. Como é trabalhar em um mercado onde o seu grande concorrente ainda está por vir?
Para mim é uma grande motivação. Eu sou uma profissional muito movida por aprender. Em um segmento como esse, a gente tem que aprender todos os dias. A operação de varejo da Amazon no Brasil é relativamente nova, foi lançada há seis anos, quando a gente expandiu o marketplace. Todos os dias você se reinventa um pouco, descobre algo novo, ou algo que você fez lá atrás e não funcionava e agora funciona.
Qual a importância do Brasil para a Amazon hoje?
É um mercado muito importante pelas razões que a gente já sabe: uma grande população, um público que compra no e-commerce cada vez mais, e cada vez mais produtos diferentes. O Brasil representa uma oportunidade para a Amazon trazer muitos novos consumidores para a nossa loja. A gente tem uma ambição muito grande para o Brasil este ano, o país é um grande foco de investimentos, vamos investir na malha logística e seguir fazendo contratações.
Já temos um nível de serviço muito bom, com um portfólio de 150 milhões de produtos, em mais de 50 categorias, mas vamos melhorar ainda mais a velocidade de entrega. A intenção é entregar cada vez mais rápido, tanto produtos do estoque próprio, que chamamos de ‘varejo’, quanto os produtos dos vendedores parceiros [sellers] hospedados no marketplace. Hoje são 78 mil sellers. Temos aproximadamente 18 mil funcionários, diretos e indiretos, 99% deles brasileiros. Gosto de ressaltar isso porque a Amazon é uma empresa americana, mas aqui a gente opera com a cara do Brasil.
A gente vai adaptando a nossa operação para que ela entregue o produto que o brasileiro quer, com preço competitivo para o brasileiro e que entregue rápido, conforme os parâmetros que o brasileiro tem.
O mercado brasileiro tem perfis sociodemográficos muito distintos e existe uma concentração da atividade no Sudeste, mais especialmente em São Paulo. O quanto é importante explorar outras regiões?
A gente já entrega em 100% dos municípios do Brasil. Em áreas urbanas, rurais, comunidades ribeirinhas, Sul, Norte, Nordeste, todas as cidades do país. Em 200 cidades, a gente entrega em até um dia, em 1.300 cidades, em até dois dias. Isso através de uma grande rede logística construída desde 2017, com 12 centros de distribuição por todo o Brasil, onde armazenamos os produtos, que saem para cerca de 150 polos logísticos, que são os espaços construídos para fazer a triagem dos produtos e encaminhá-los às estações de entrega, de onde eles são enviados ao consumidor.
Vamos crescer o número de polos logísticos, da rede como um todo, e acelerar essa velocidade de entrega, que é muito importante. Dentro do marketplace, o vendedor pode vender direto e entregar para o cliente, ou pode optar pelo FBA [Fulfillment by Amazon], formato em que a Amazon se responsabiliza pela entrega.
O que o consumidor mais deseja na internet é encontrar um produto com preço bom e recebê-lo o mais rápido possível. O que um marketplace precisa fazer para cumprir essa tarefa?
Em todos os municípios têm brasileiros com interesse em comprar online, mas com necessidades diferentes. Por exemplo, uma categoria como fragrância é mais buscada no Nordeste. No Norte, a gente vende muito ventilador. Essa diversidade nos desafia a ser cada vez melhores e termos cada vez mais produtos.
Acabamos de inaugurar o nosso maior centro de distribuição em Cajamar [na Grande São Paulo], com 75 mil metros quadrados. Ele tem uma tecnologia de ponta que nos permite receber muito rápido o pedido, fazer a coleta muito rápido e enviar essa encomenda o mais rápido possível. É o primeiro CD em que é possível reunir, na mesma encomenda, produtos de estoque próprio e dos vendedores FBA. Por exemplo: um consumidor encomendou creme dental, que eu tenho em estoque, e um livro, que é de um vendedor parceiro. Os dois produtos estão neste centro de distribuição. A gente coloca os dois na mesma caixa e faz um envio só para a casa do cliente. Isso também é muito importante: usar a tecnologia para otimizar a operação.
Hoje qual o prazo máximo da Amazon?
Depende muito de onde estiver o produto e onde está a pessoa que comprou. Mas a nossa velocidade transita entre dois e quatro dias, no máximo, quando se trata de regiões mais distantes.
Por que alguém compraria na Amazon e não no Mercado Livre ou na Shopee?
O primeiro ponto é uma loja que oferece 150 milhões de produtos. Você vai encontrar o que procura, com preços competitivos e entrega rápida. É isso que o cliente quer hoje, que ele vai querer amanhã, daqui a cinco ou dez anos. Além disso, a gente tem o programa Prime, que é um grande diferencial. Quando o programa foi lançado, em 2019, a empresa teve um dos maiores crescimentos da base de assinantes já vistos em qualquer outro país.
Por uma assinatura mensal, ou anual, você tem entrega rápida, com frete grátis. Para quem não é Prime, o frete grátis é oferecido nas compras acima de R$ 129. Além disso, a gente tem os benefícios de Prime Video, com acesso a milhões de séries e filmes no streaming, o Prime Music [streaming de música], Prime Reading [livros e revistas digitais].
Também temos o Programe e Poupe, que é um programa de assinatura para aqueles produtos que você usa todo dia e acabam. Pode ser xampu, sabonete, biscoito, comida para pet, produto de limpeza etc. Você tem um percentual de desconto e define com qual frequência quer receber aquela compra, na sua casa.
Qual o produto campeão de vendas da Amazon no Brasil?
No último Prime Day [semana de ofertas, em julho] vendemos muito o Kindle [leitor de livros digitais] e iPhone, além de sabão Omo, que é uma marca que a gente vende bastante, e os aparelhos airfryer. Os livros, em geral, são muito procurados na Amazon.
Quais as suas expectativas para 2025 em termos de negócios?
Eu estou otimista com o ano. Tem a ver com o momento da Amazon, de muito foco e de um plano com muita ambição para o Brasil. A gente já começou com contratações, com um novo centro de distribuição, o maior do país, estamos expandindo a malha logística com parceiros, inclusive aéreas. Temos a Azul e a Favela Log, que permite que a gente faça entregas rápidas em favelas em todo o Brasil.
Como você imagina o comércio eletrônico no Brasil em 2030?
O consumidor vai continuar querendo encontrar o produto em um preço competitivo e receber rápido. A gente fica imaginando com qual velocidade, né? Eu pretendo entregar na velocidade que ele quiser. Vejo também um momento em que a gente vai personalizar ainda mais a experiência do consumidor usando a inteligência artificial, uma tecnologia que a Amazon já usa há 25 anos. Cada um que entra na loja da Amazon hoje já vê uma uma página inicial diferente. Imagino que em 2030 isso vai estar ainda mais personalizado e o consumidor vai sentir aquela loja como sendo feita realmente para ele.
Sua conta no Instagram é privada, mas é possível conferir a foto do perfil: um pôr do sol em meio a montanhas nevadas. O quanto essa foto conta sobre você?
Eu gosto muito do meu trabalho, gosto muito do que eu faço. Mas para mim é muito importante manter o equilíbrio e conseguir tempo livre, principalmente para a minha família. Essa foto foi feita durante uma viagem de trem, com o meu marido e meus dois filhos, em um lugar que eu sonhava conhecer, na Suíça. Era um trem com janelas amplas, dava para ver bem a paisagem. Os dois estavam dormindo, olhei para fora e vi essa cena linda. Foi muito marcante. Essa foto representa esse equilíbrio.
RAIO X – JULIANA SZTRAJTMAN
Idade: 48
Origem: São Paulo
Onde trabalhou: Citibank, Editora Abril, Latinstocks.com, Nintendo, Johnson & Johnson, Amazon
Formação: publicidade; MBA em administração e negócios
AMAZON NASCEU ‘CADABRA’ E FOI REBATIZADA EM HOMENAGEM A RIO
Em 1994, o americano Jeff Bezos, então um alto executivo de um fundo de investimento, quis deixar Wall Street para trás e se aventurar na venda de livros pela novata internet. Ele se mudou de Nova York para Seattle e, com a então esposa MacKenzie Scott, fundou a empresa na garagem de casa. Curiosamente, as reuniões para tratar de negócios eram realizadas na cafeteria de uma livraria próxima, da rede Barnes & Noble.
O negócio foi batizado de Cadabra. Mas não demorou muito para ele mudar o nome, que lembrava “cadáver”, para Amazon, em homenagem ao rio Amazonas, o maior do mundo, porque ele queria que a sua livraria tivesse o maior catálogo do planeta.
O novo nome se mostrou auspicioso. Hoje a Amazon integra o grupo “magnificent seven” –ou as “sete magníficas”, como é chamado o time dos gigantes de tecnologia americanos, onde também estão Apple, Alphabet, Microsoft, Meta, Nvidia e Tesla.
Entre as sete empresas, a Amazon é dona da maior receita: foram US$ 637,96 bilhões em 2024, com lucro líquido de US$ 59,24 bilhões. O grupo fatura principalmente com o varejo online e serviços para vendedores da plataforma (US$ 403 bilhões no total). Também se destaca a AWS, serviço de computação em nuvem, com US$ 107,55 bilhões.
Da receita, 61% vêm da América do Norte, 22% vêm dos outros países (segmento que a Amazon chama de Internacional) e 17% vêm da AWS.
A América do Norte respondeu por vendas de US$ 387,49 bilhões, e o resto do mundo por US$ 142,9 bilhões.
A companhia divide os negócios entre mercados consolidados e emergentes –sendo estes últimos os países onde iniciou operação há pelo menos 10 anos. Nessa lista, além de Brasil, estão Índia, México, Austrália, Singapura, Egito, Emirados Árabes, Arábia Saudita, Bélgica, Suécia, Polônia e África do Sul.
Já os consolidados são, além dos Estados Unidos, Alemanha, Canadá, China, Espanha, França, Itália, Japão e Reino Unido.
Em entrevista à Folha no ano passado, o ex-CEO da Amazon Brasil, Daniel Mazini, disse que o país é o segundo maior mercado emergente da empresa no mundo, só depois da Índia.
No Brasil, a Amazon conta com 150 milhões de produtos e quase nenhum estoque: tudo vem dos vendedores parceiros, chamados de sellers. Na divisão de varejo, o principal trabalho da empresa está na logística e em acompanhar o comportamento do consumidor.
RAIO X – AMAZON BRASIL
Fundação: 2012
Funcionários: 18 mil, entre diretos e indiretos
Faturamento 2024: R$ 39 bilhões*
Estrutura logística: 12 CDs (em SP, MG, RS, RJ, CE, PE e DF) e 140 estações de entrega, que integram 150 polos logísticos
Principais rivais: Mercado Livre, Magazine Luiza e Shopee
*estimativa Varese Retail
SÉRIE ENTREVISTA LIDERANÇAS DE GIGANTES DO VAREJO BRASILEIRO
A Folha deu início em 24 de março à série “Lideranças do Varejo”, com entrevistas em vídeo e texto com os presidentes de algumas das maiores redes e marketplaces do país.
As reportagens trazem um perfil das empresas, dos seus líderes e a história de algumas marcas já incorporadas ao dia a dia da população.
Entre os temas que ocupam o cotidiano dos executivos estão a queda de braço com a indústria por preços, a adaptação às legislações trabalhista, tributária e que regulamentam a logística em diferentes estados e cidades do Brasil, a adoção de evoluções tecnológicas, a procura por melhor margem de lucro e a necessidade de sentir o pulso do consumidor, para acompanhar as mudanças de comportamento que levam a novos hábitos de compras.