O tarifaço imposto pelo governo Donald Trump sobre parceiros comerciais tem causado incertezas para o comércio marítimo e é potencialmente disruptivo para o setor. É o que diz Rolf Habben Jansen, CEO da companhia alemã Hapag-Lloyd, especializada no transporte de contêineres.
Segundo o executivo, clientes gostam de previsibilidade no curto prazo.
“Você quer saber o que vai acontecer nos próximos três, seis, 12, 24, 36 meses, porque, então, você pode planejar com isso. Agora você vê que um dia as tarifas estão em um nível muito alto, e uma semana depois elas estão significativamente baixas. Há incerteza sobre o que vai acontecer em 90 dias.”
Recentemente, a Hapag-Lloyd lançou uma joint venture com a companhia brasileira Norsul. A nova empresa, batizada de Norcoast, é especializada no transporte marítimo de contêineres na costa brasileira e na bacia amazônica e tem uma frota de quatro navios —com capacidade de 3.500 TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés), cada.
Habben Jansen esteve no Brasil neste mês e, em entrevista à Folha, disse que, apesar de ter grande potencial, o país sofre com entraves de infraestrutura no terminais, o que afeta a operação. Na visão do executivo, o setor privado e o governo precisam se unir para buscar soluções.
“Nós precisamos trabalhar juntos, e precisamos continuar investindo em infraestrutura para garantir que, daqui a 10 ou 15 anos, nós tenhamos boa infraestrutura disponível para acomodar o crescimento. Hoje isso é definitivamente um gargalo”, afirma.
Nesses últimos anos, o setor de transporte marítimo vem sendo impactado pelos conflitos no mar Vermelho, que criaram um gargalo no canal de Suez. Como está a situação hoje?
Eu acho que [o conflito no] mar Vermelho foi uma coisa muito infeliz que aconteceu para nós desde 2023. Eu acho que, no começo de 2025, todos pensávamos que a situação iria se acalmar. Nesse momento, nós dissemos que iríamos esperar até que as coisas estivessem estabelecidas. O que nós não queremos fazer é entrar [voltar a usar o canal de Suez] e sair de novo, porque, dessa forma, nós realmente impactaríamos toda a cadeia de fornecedores.
Infelizmente, a situação agora é mais instável. Isso significa que, agora, eu não nos vejo voltando para Suez tão cedo. Porque eu acredito que isso é importante para a segurança dos nossos navios. E é também importante para os nossos clientes, porque agora todas as redes de suporte estão fluindo, e as pessoas recebem seus produtos todas as semanas. Nós só devemos voltar para Suez quando soubermos que será seguro por um período mais longo.
Os navios continuam a dar a volta pelo cabo da Boa Esperança, na África?
Sim.
E quais são os impactos disso?
Os barcos que vão para o norte da Europa levam cerca de dez dias a mais. Os barcos que vão para a costa dos EUA levam cerca de uma semana a mais. E, para a costa do Oriente Médio, é um pouco mais longo, então entre duas e três semanas a mais.
Quanto isso custa para a empresa?
Para nós, o custo total da unidade aumenta cerca de 10%.
Como a guerra comercial entre EUA e China pode impactar o setor?
Eu acho que isso é potencialmente muito mais disruptivo. É claro que as tarifas vieram bastante de repente, e algumas delas também desapareceram de repente. A significância das tarifas também foi maior do que as pessoas esperavam.
Por enquanto, há duas coisas que estão criando muita incerteza. Uma é que temos um período de 90 dias em que as pessoas precisam negociar algo, e não sabemos o que vai acontecer depois disso. Isso cria muita incerteza.
Outra coisa é que as tarifas entre China e EUA são muito altas de ambos os lados. Esperamos que eles possam chegar a algum tipo de acordo, porque o comércio entre a China e os EUA é muito significativo, e isso tem um impacto no comércio global.
O que você espera dos próximos anos do mandato de Donald Trump?
É muito difícil de prever. Há várias coisas que eles propõem que, em si, não são tão estranhas. Eles querem reduzir o déficit de comércio dos EUA. Eu entendo totalmente isso. Nós gostaríamos que eles chegassem ao seu objetivo de uma forma um pouco diferente, de uma forma menos disruptiva. Mas alguns dos objetivos que eles estão perseguindo não são tão ilógicos.
O que é difícil é que o que vai acontecer agora é muito imprevisível. E, claro, o que as pessoas querem ao fazer negócios –e também se você quiser comprar produtos de outro país para o seu negócio? Você quer saber o que vai acontecer nos próximos três, seis, 12, 24, 36 meses, porque, então, você pode planejar com isso.
Agora você vê que um dia as tarifas estão em um nível muito alto, e uma semana depois elas estão significativamente baixas. Há incerteza sobre o que vai acontecer em 90 dias. Eu acho que é muito mais a incerteza e a imprevisibilidade que são um problema do que o fato de que há tarifas como essas.
E o que isso pode causar para os clientes e para o setor?
Eu acho que a principal coisa que isso faz é criar incertezas, é claro. Eu acho que as pessoas devem pensar duas vezes quando quiserem tornar suas vendas ou seu fornecimento dependentes de um único país. Se você compra todos os seus produtos da China, você tem um problema se algo acontecer na China. Se você vende todos os seus produtos para os EUA, e algo acontece nos EUA, você tem um problema.
Acho que a lição que temos que tirar disso é que todos precisamos tentar diversificar nossos negócios um pouco, tentar adquirir de múltiplos países e tentar vender também para múltiplos países, porque, se algo impacta 20% do seu negócio, é um problema, mas você pode manejá-lo. Se impacta 100% do seu negócio, é um problema muito maior. Também dissemos isso já quando estávamos entrando na pandemia de Covid.
Isso significa, então, reduzir mercado nos EUA e na China.
Por exemplo, se você é uma empresa dos EUA e importa todos os seus produtos da China, então você é muito dependente da China. Se você importa 20% da China, 20% da Índia, 20% da Vietnã, 20% do Brasil e 20% da Coreia, se algo acontecer em um desses países, então 80% do seu negócio ainda estará seguro, e você poderá importar um pouco mais dos outros quatro países e um pouco menos da China ou de qualquer outro país que seja impactado. E então seu negócio é estável. E o mesmo acontece com as exportações.
Eu acho que isso vai ser um pouco mais o nome do jogo: que as pessoas têm de construir negócios mais resilientes –ou seja, menos dependentes de fontes únicas.
Aqui no Brasil nós temos um gargalo de infraestrutura. Alguns grandes navios não podem atracar nos portos brasileiros porque o calado é defasado. Os terminais também estão com capacidade saturada. Isso tem afetado a Hapag-Lloyd também?
Eu acho que todo mundo sabe que o Brasil tem muito potencial, mas nós também reconhecemos que mais investimento na infraestrutura ainda é necessário. E, é claro, isso é algo que nos impacta também. Nós não somos imunes a isso.
Qual é o impacto?
Significa que você tem que ter muito foco em ter certeza que seus barcos estão sendo manejados corretamente em todos os portos que atendemos.
Mas também significa que precisamos continuar trabalhando para melhorar o ecossistema dos portos. Em geral, países como o Brasil têm um futuro muito bom. Eu acho que [é necessário haver] uma combinação entre governo e empresas privadas. Nós precisamos trabalhar juntos, e precisamos continuar investindo em infraestrutura para garantir que, daqui a 10 ou 15 anos, nós tenhamos boa infraestrutura disponível para acomodar o crescimento. Hoje isso é definitivamente um gargalo.
Quais são as expectativas para a operação no Brasil neste ano? A Hapag-Lloyd vai aumentar a presença no país?
Nós esperamos que possamos fazer nosso negócio crescer. No Brasil um pouco mais. Por um lado, baseado nos serviços que fazemos para a Ásia e para a Europa, nós esperamos ver algumas melhorias. Nós também investimos, junto com a NorSul, em uma joint venture chamada NorCoast, que nos permitirá fazer mais vendas na região costeira. Uma combinação de todas essas coisas deve ajudar nosso negócio no Brasil a crescer mais.
O que a Hapag-Lloyd tem feito para reduzir as emissões de carbono?
Nós temos dois objetivos-chave nesse tema: um é reduzir as emissões em aproximadamente um terço até 2030, e a segunda é ser net-zero [zerar as emissões de carbono] em 2045.
Há quatro maneiras de reduzir as emissões de carbono: a primeira é trocar as antigas embarcações por novas embarcações. Nós investimos bilhões de dólares nesta década para renovar a nossa frota e substituir velhos navios ineficientes por novos navios que também podem navegar com combustíveis sustentáveis.
A segunda forma de reduzir as emissões é fazer retrofit em navios existentes. Investimos quase US$ 1 bilhão para melhorar e retrofitar navios existentes, para que eles consumam menos energia e, por isso, também tenham emissões menores.
A terceira coisa que dá para fazer é navegar um pouco mais devagar. Se você navega devagar, você gasta menos energia e também reduz suas emissões de carbono.
E a última coisa é usar combustíveis verdes, é claro. Há várias opções. O desafio é que não há combustíveis verdes suficientes para serem usados em todas as embarcações que temos.
Há uma preocupação no setor de que biocombustíveis à base de plantas possam aumentar o desmatamento, já que a produção exigiria grandes áreas de terra para plantio. O sr. tem uma opinião sobre esse tema?
Há diversos tipos de biocombustíveis. Eu acho que se pode dizer que há bons biocombustíveis e que há biocombustíveis ruins. Nós focamos nos bons biocombustíveis e garantimos que eles estão em conformidade com as normas internacionais, para que eles também nos ajudem a reduzir as emissões. Isso significa que nós usamos combustíveis cuja matéria-prima é óleo de cozinha, ou algo assim.
E como as mudanças climáticas estão afetando a operação?
É muito difícil dizer. As pessoas dizem que temos um clima mais severo, mas é muito difícil de ter alguma estatística referente a isso, para ser honesto.
Eu acho que, na nossa operação de dia a dia, o impacto disso é manejável no curto prazo, mas, no longo prazo, eu não sei, não sou um expert do clima. Eu só sei o que precisamos fazer, e eu certamente apoio isso completamente. Nós trabalhamos duro para reduzir as emissões.
Quais são as expectativas para os próximos anos, levando em consideração todos os fatores geopolíticos –não só a guerra comercial entre EUA e China, mas também outros conflitos e problemas, como a Guerra da Ucrânia?
É uma pergunta difícil. Nós vimos que nos últimos 60 anos o comércio global cresceu quase todo ano. Eu pessoalmente acho que isso vai continuar, talvez um pouco mais devagar, mas também talvez em um ritmo similar.
Eu acho que as empresas vão diversificar seus fornecedores –o ponto que eu falei antes– não vão comprar tudo de um país e não vão vender para um único país. Isso tornará as cadeias de fornecimento mais complexas. Isso significa também que ainda haverá uma grande necessidade de transporte eficiente ao redor do mundo.
No curto prazo, a resposta a isso é: se você olhar os próximos dois trimestres, ou os próximos 12 meses, é muito difícil de prever. Se você olhar a tendência a longo prazo, eu acho que ainda há tanta riqueza que pode ser criada ao redor do mundo, que o comércio global continuará sendo um facilitador importante para isso.
RAIO-X | ROLF HABBEN JANSEN, 60
Natural de Spijkenisse, cidade holandesa próxima a Roterdã, é formado em economia pela Universidade Erasmus de Roterdã. Iniciou a carreira em 1991 como trainee na companhia holandesa Royal Nedlloyd. Também ocupou cargos na empresa suíça de logística Danzas e na DHL. Foi CEO da empresa global de logística Damco. Ocupa o cargo de CEO da Hapag-Lloyd desde julho de 2014.