Imagine entrar em um carro para uma longa viagem e perceber que o motorista muda de direção sem avisar, freia bruscamente e acelera de forma imprevisível. Você segura firme, tenta manter a calma, mas o desconforto é inevitável. Assim tem sido o trajeto da economia americana sob a direção de Donald Trump.
Os primeiros 100 dias de um governo não definem um governo, mas dão sua direção. E a direção que Trump adotou é clara: alta volatilidade. Um vai e vem constante em decisões importantes, comunicados atropelados e ausência de dados confiáveis. Isso desorganiza quem investe, trava quem produz e preocupa quem consome.
O mercado sente. Em abril, o S&P 500 caiu logo abaixo dos 5.000 pontos no início do mês e, desde então, já se recuperou mais de 14%. Uma reação impressionante — mas será duradoura? Como um renomado gestor observou recentemente, Trump conseguiu a audácia de estopar os otimistas e os pessimistas dentro do mesmo mês. Quem encerrou as posições, levou o vulgarmente chamado no mercado de “violino”. Caiu e voltou. Tudo começou no “Liberation Day”.
O “Liberation Day” proclamado por Donald Trump ocorreu em 2 de abril de 2025. Nesse dia, o presidente anunciou, em um discurso no Jardim das Rosas da Casa Branca, a imposição de tarifas generalizadas sobre importações, denominando a data como “Liberation Day.
Naquele dia, o principal índice da Bolsa americana era negociado ao mesmo patamar de hoje. Quem não olhou para o desempenho do mercado ao longo do mês talvez não entenda o tamanho do sofrimento dos investidores. Mas por que voltou?
O otimismo recente foi puxado principalmente por resultados positivos no setor de tecnologia, mas ainda sem confirmação de um movimento estrutural. Além disso, os adiamentos e voltas atrás em decisões do próprio governo, além da expectativa de uma possível negociação com a China ajudaram a renovar os animos.
Mas é importante lembrar: início de negociação não significa resolução. Exemplos recentes comprovam isso. Israel e Hamas estão em negociação há meses. Rússia e Ucrânia também mantêm conversas. E nenhuma dessas tratativas trouxe soluções efetivas até aqui. Quando os lados já fincaram posição, como no caso de EUA e China, as concessões costumam ser escassas — o impasse, o mais provável.
Já nem se fala mais do caso europeu, mas as tarifas contra a Europa têm até data para voltar a valer. E se tudo foi mentira ou bravata, o que esperar das próximas decisões?
O investidor precisa ter cuidado para não confundir o alívio recente de preços com uma mudança definitiva de tendência. Se é que há uma tendência clara neste momento.
Estamos longe de enxergar os reflexos práticos do que ocorreu. O impacto de aumentos de preços e incertezas comerciais sobre a inflação e o consumo ainda deve aparecer nos próximos meses. Além do reflexo no crescimento econômico global. Muitos consumidores e empresas americanos anteciparam compras no primeiro trimestre com receio de aumentos nos preços. Portanto, os resultados do primeiro trimestre foram inflados.
Sim, há setores que continuam mostrando força — especialmente tecnologia e consumo doméstico. Mas o mercado precisa de mais do que fôlego pontual em nichos resilientes: precisa de direção clara, previsibilidade e confiança. E nenhuma dessas palavras parece combinar com o estilo Trump.
Não seria a primeira vez que o mercado sobe forte apenas para cair ainda mais depois. Foi assim em 2008, durante a crise financeira global, quando o S&P 500 subiu mais de 15% em outubro, antes de despencar novamente e atingir seu fundo em março de 2009. O mesmo aconteceu durante a bolha da internet em 2001 e até na crise do petróleo dos anos 70: alívios temporários costumam preceder quedas ainda maiores.
Não estou dizendo que você deve vender suas posições, mas deve aproveitar a recuperação de preços e revisitar o alinhamento de sua exposição com seu perfil de risco. Elevar exposição neste momento parece extremamente arriscado, principalmente, quando se tem taxas de juros tão elevadas como as nossas no Brasil.
Portanto, embora a recente alta da Bolsa americana seja um alívio momentâneo, ainda não é hora de declarar o fim da tempestade. Quando o motorista insiste em dirigir sem mapa e sem freios, o melhor a fazer é manter o cinto apertado.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
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