Servidores federais, que recebem reajuste de 9% nesta sexta-feira (2), tiveram uma redução de 23% no salário em quatro anos. Entre 2019 e 2023, a renda média caiu de R$ 15,7 mil para R$ 11,9 mil, segundo estimativa do Centro de Liderança Pública com base em dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais).
Especialistas afirmam que, apesar das perdas salariais, a concessão de aumento linear para os servidores não considera problemas na estrutura de gestão de pessoas do governo que geram desigualdades salariais entre carreiras.
O Brasil tem 290 tabelas remuneratórias –muito acima de países como Portugal e Uruguai, com uma e 18, respectivamente, segundo o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público da República.org. Esse excesso de tabelas provoca distorções salariais, mesmo entre servidores com funções parecidas.
Um analista administrativo do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), por exemplo, tem salário inicial de R$ 5.897,29, enquanto o mesmo cargo nas agências reguladoras recebe R$ 15.050,25 no começo da carreira. Os dados são do Anuário, com base nas tabelas de remuneração do governo federal de 2023.
“Antes, dar um reajuste linear era uma forma recompor parte das perdas de inflação, sem entrar na questão da disputa entre categorias. Mas o governo acabou não entregando o que prometia, de conduzir uma reestruturação ampla das carreiras”, afirma Bruno Carazza, professor associado da Fundação Dom Cabral.
“Dar um novo reajuste sem pensar em mudar incentivos ou estabelecer uma política séria de avaliação de desempenho é empurrar o problema para frente.”
Em nota, o Ministério da Gestão afirma que os reajustes foram precedidos de reestruturação de cargos. Entre as mudanças, houve o aumento de carreiras com 20 níveis de progressão salarial, o que faz o servidor levar mais tempo para chegar ao topo da profissão.
A pasta ainda diz que 30 mil cargos obsoletos foram transformados em carreiras mais atuais. Duas delas serão transversais, em que o servidor transita por vários órgãos ao longo da trajetória profissional, e terão vagas abertas no próximo Concurso Nacional Unificado.
No entanto, essas medidas foram insuficientes para lidar com problemas como o excesso de tabelas remuneratórias. Somado a isso, os acordos que o Ministério da Gestão assinou com carreiras do Executivo também perpetuam desigualdades salariais, segundo especialistas.
Categorias com maior poder de barganha tiveram vantagem nas negociações com o governo. Auditores-fiscais da Receita Federal, por exemplo, conquistaram a regulamentação do bônus de eficiência, que pode chegar a até R$ 7.000 mensais neste ano. Sindicatos de auditores, em greve desde o ano passado, pedem ainda um aumento do vencimento básico, cujo teto hoje é de R$ 29.760,95.
A valorização salarial das carreiras de elite ao longo dos anos evidencia os privilégios de poucas categorias. Entre 1998 a 2022, cargos como analista de planejamento e especialista em políticas públicas conquistaram ganhos de até 60% acima da inflação –superior à média de aumento, de 40%.
“O reajuste linear acaba mantendo desigualdades entre carreiras”, afirma Daniel Duque, gerente de inteligência do CLP. “Há servidores de altíssimo cargo que, por mais que tenham tido uma queda na renda, não tiveram uma perda de competitividade em relação a outras ocupações.”
Segundo Duque, a redução salarial de parte do serviço público pode tornar algumas carreiras menos atrativas para concurseiros. Ele afirma que, além disso, conceder o reajuste linear a essas carreiras mais bem remuneradas eleva o impacto orçamentário.
O primeiro reajuste de 9% foi dado em 2023, primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um novo aumento será pago em 2026. Neste ano, o impacto financeiro será de R$ 17,9 bilhões. Para o próximo ano, serão R$ 8,5 bilhões.
Em nota, o Ministério da Gestão afirma que a estimativa do Centro de Liderança Pública desconsidera acordos posteriores de recomposição salarial. Segundo a pasta, a negociação visou reduzir desigualdades e simplificar a estrutura de carreiras.