Warren Buffett anunciou que vai deixar o cargo de CEO da Berkshire Hathaway em dezembro da forma como sempre gostou de fazer: falando diretamente com os mais de 40 mil acionistas que compareceram à 60 ª conferência anual da empresa, em Omaha, no Nebraska (EUA).
A escolha de Greg Abel como sucessor não é nenhuma surpresa —o vice-presidente da Berkshire há anos já vinha sendo preparado para substituir Buffett.
O que quase ninguém sabia é que Buffett anunciaria isso neste sábado (3). Segundo ele, só dois filhos foram avisados previamente —nem mesmo Abel havia sido informado.
Buffett nunca gostou de fazer anúncios sobre sua empresa falando primeiro com analistas de Wall Street ou com a mídia. A Berkshire Hathaway sempre divulgou somente as informações que era obrigada a publicar em relatórios oficiais, seguindo a legislação para empresas abertas americanas.
Quando um analista de Wall Street liga para a Berkshire Hathaway e pede mais informações sobre qualquer assunto, só há duas respostas possíveis: 1) tudo que podemos divulgar sobre isso já está em determinada página de nosso balanço; ou 2) compareça à nossa reunião anual de acionistas e tente fazer essa pergunta em público.
A decisão foi cercada de cuidados. O bilionário sabe que o tema da sucessão é um tabu no mercado, sendo visto como o principal ponto de preocupação de seus acionistas. Buffett tem 94 anos e seu antigo braço direito, Charlie Munger, faleceu há cerca de um ano e meio.
O sucesso da dupla é retumbante: as ações da Berkshire se valorizaram cerca de 20% ao ano nas últimas seis décadas, ou quase o dobro do S&P. Todo acionista um dia já se perguntou: “A Berkshire continuará a ter o mesmo sucesso sem Buffett e Munger?”
O bilionário tentou passar confiança aos acionistas afirmando que não vai vender nenhuma ação da Berkshire após a troca de comando.
A decisão reduz a pressão que poderia recair sobre os ombros de Abel caso Buffett só decidisse deixar o comando da empresa quando morresse. Nesse cenário, a notícia provavelmente geraria incertezas e levaria a uma queda acentuada das ações da empresa nos primeiros pregões após o falecimento.
Buffett preferiu ter a chance de tentar transferir sua autoridade ao escolhido, afirmando que Greg Abel passará a ser o responsável final por todas as grandes decisões da empresa. Nas palavras dele, agora Abel será o dono dos maiores “tíquetes”, pelo “bem da própria companhia”.
O anúncio da sucessão foi guardado para os últimos minutos da reunião de acionistas. O evento foi dividido em duas partes e, após o intervalo, só havia Buffett e Abel no palco. Numa pergunta anterior, Abel havia dito que via Buffett como um “coach” e, bastante emocionado, relembrou sua primeira conversa com o bilionário.
Abel certamente é um excelente executivo, mas não tem o mesmo carisma e capacidade de comunicação de Buffett. Por outro lado, é mais acessível. No dia anterior à reunião de acionistas, ele circulou pela feira das empresas da Berkshire e tirou centenas de fotos com o público.
Buffett também fazia isso no passado, mas, com dificuldades de locomoção, neste ano visitou a feira da sexta-feira apenas antes da abertura ao público, cumprimentando funcionários.
O público recebeu a decisão de Buffett de forma muito emotiva. O bilionário foi aplaudido de pé por mais de dois minutos por seus acionistas. Quando ele finalmente conseguiu retomar a palavra, brincou perguntado se as pessoas estavam agradecendo o trabalho dele ou felizes porque ele iria embora: “Esse entusiasmo pode ser interpretado de duas formas. Mas eu levo como elogio”, disse, arrancando gargalhadas.
Entre os que estavam na plateia para aplaudir Buffett, havia gente como Bill Gates, Tim Cook, Hillary Clinton e Bill Ackman. O parceiro de negócios Jorge Paulo Lemann também estava em Omaha nesta semana, assim como muitos gestores de fundos da Faria Lima.
Buffett já foi o homem mais rico do mundo e ainda seria se não tivesse doado mais da metade de suas ações da Berkshire para entidades filantrópicas. Seu legado, no entanto, vai muito além do dinheiro que acumulou.
O bilionário foi responsável por popularizar o Value Investing —técnica de investimentos que prega haver grandes distorções no mercado que permitem que você compre ações por um preço muito abaixo do valor justo. “Preço é o que você paga e valor é o que você leva”, costuma dizer.
Trechos de livros, entrevistas e cartas de Buffett são repetidos diariamente por profissionais do mercado financeiro em todo o mundo. Tanto em Wall Street quanto na Faria Lima, todo mundo para para ouvir Buffett. Abel até pode garantir o sucesso das operações da Berkshire no futuro e ganhar a confiança dos acionistas, mas o trono de “rei do Value Investing” talvez siga vago por muitos anos.