A arquiteta portuguesa Margarida Caldeira, responsável pelo projeto que integra um luxuoso bairro em Campinas (SP) ao maior shopping do grupo Iguatemi, defende o planejamento de áreas em que os moradores possam reunir moradia, trabalho e lazer.
Caldeira lidera as filiais do escritório inglês Broadway Malyan em Portugal e no Brasil. Famoso por remodelar bairros pelo mundo, como o Kings Cross, em Londres, o Malyan foi responsável por desenhar o Casa Figueira, em Campinas, bairro planejado que terá, no total, 1 milhão de m², com 240 mil m² destinados a áreas verdes, 66 lotes urbanizados e um boulevard.
O VGV (valor geral de vendas) do empreendimento, que soma pouco mais de cem torres, está estimado em R$ 10 bilhões, segundo as projeções da construtora brasileira. A entrega dos lotes deve começar em 2028 e durar pelo menos dez anos.
O Broadway Malyan ganhou o projeto do Iguatemi em 2014, após participar de uma competição com outros escritórios. O desenho do bairro de Campinas teve como inspiração o East Village, desenvolvido pelo escritório em Calgary, no Canadá, em que o Malyan repaginou pouco mais de 50 hectares e levou como meta criar espaços verdes, ter áreas de de cultura e educação no entorno, além de redefinir os usos de edifícios que estavam sem utilidade pública.
“Há pouco tempo estava fazendo uma trilha aqui em Portugal e, no caminho, encontrei um casal que era do Canadá. Comentei com eles sobre o projeto do East Village e a senhora me abraçou. Ela disse ‘vocês melhoraram a minha vida. Vocês fizeram uma ciclovia que atravessa um rio e me fizeram poupar todos os dias 25 minutos da minha vida’. Isso é algo que mexe com você, porque você pensa, ‘ok, nós realmente devemos intervir e melhorar a vida das pessoas’”, disse a arquiteta em entrevista à Folha.
No processo de criação do Casa Figueira, as equipes visitaram cidades que tiveram sucesso na tarefa de integrar o entorno à natureza e à utilização da tecnologia renovável. Caldeira diz que em Portugal a legislação exige novas construções que estejam moldadas aos padrões ESG (sigla em inglês para políticas corporativas ambiental, social e de governança), como a busca por carbono zero, aplicação de painéis fotovoltaicos e utilização inteligente da água.
A arquiteta aposta que o projeto em Campinas será objeto de estudo pelos próximos 50 anos, por reunir boas práticas de urbanismo e arquitetura, pensando na convivência harmoniosa entre comércio e lazer, sustentabilidade e cultura, em uma das maiores cidades do continente.
Para a arquitetura das ruas, Margarida Caldeira defende soluções simples e baratas que podem ajudar a diminuir o impacto dos efeitos climáticos, como pensar no sombreamento que os edifícios vão fazer em determinados pontos do dia, na canalização de ventos para amenizar as temperaturas e até o tipo de árvore que será plantada na região.
“Existem soluções passivas, em que não é preciso gastar mais dinheiro para fazer bem, é apenas o fazer bem-feito. E isso é algo que aprendemos com a história. Não é por acaso que a arquitetura vernacular [estilo de construção que utiliza materiais e recursos do próprio ambiente] responde tão bem às condições climáticas, porque os antigos sabiam precisamente como construir”, diz Caldeira.
A arquiteta portuguesa também é contra a ideia de destruir edifícios para projetar as cidades do futuro. Ela defende que edifícios deteriorados, principalmente os públicos, sejam ressignificados para que possam ser integrados aos modos de produção do trabalho atual.
Nesses casos, ela afirma que parcerias público-privadas desempenham a melhor alternativa de restauro de bairros importantes, mas que sofreram com o abandono. Foi o que aconteceu em Kings Cross, onde antes dominavam o tráfico e a prostituição.
“O centro de São Paulo é lindíssimo. O edifício Matarazzo, sede da prefeitura, é muito bonito e toda aquela região é muito bonita, mas fiquei pensando como é que esta zona está tão deteriorada. Ainda penso que é uma questão de tempo para que a região seja reabilitada porque aquilo é uma grande oportunidade do ponto de vista imobiliário”, disse Caldeira.
Outro exemplo é a estação de trem do Rossio, em Lisboa, onde hoje funciona o escritório português da Broadway Malyan e que foi restaurada pela empresa. Caldeira explica que o edifício do século 19 passou por diversas intervenções que comprometeram sua concepção original, mas, na reforma, sua equipe conseguiu resgatar o valor estético da construção, utilizando madeiras de época e adaptando o espaço para abrigar escritórios e restaurantes.
“Arrumamos toda a fachada, mantivemos as madeiras iniciais. Restauramos o edifício, fazendo com que as necessidades atuais ficassem completamente resolvidas, mas preservando a memória e o esplendor do edifício inicial”, explicou.