De 31 sindicatos e associações entrevistados em auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) nas investigações de fraudes no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), 24 aparecem com índices acima de 90% de descontos não reconhecidos por aposentados e pensionistas entre abril e julho de 2024.
Foram visitados pessoalmente 1.273 segurados em todos os estados do país, segundo a investigação. Desse total, 1.242 (97,6%) informaram não ter autorizado o desconto, e 1.221 afirmaram não participar de associação (95,9%).
Em notas, as associações afirmam que irão colaborar com as investigações e reconhecem que, caso descontos indevidos sejam comprovados, as entidades responsáveis devem ser punidas.
Algumas delas também alegam que ainda não tiveram acesso à auditoria conduzida pelos órgãos competentes e reforçam que suas atividades são realizadas de forma legal e transparente.
A operação Sem Desconto, da Polícia Federal e da CGU, abriu inquérito contra 11 entidades de 13 que foram investigadas. Entre 2019 e 2024, relatório dos órgãos mostram R$ 6,3 bilhões em descontos, dos quais ainda será divulgado quanto é ilegal.
VEJA A LISTA DE ASSOCIAÇÕES INVESTIGADAS:
- Ambec (Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos)
- Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical)
- AAPB (Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil)
- Aapen (Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional), anteriormente denominada de ABSP (Associação Brasileira dos Servidores Públicos)
- Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)
- AAPPS Universo (Universo Associação dos Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social)
- Unaspub (União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos)
- Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil)
- Apdap Prev
- ABCB/Amar Brasil
- CAAP (Caixa de Assistência de Aposentados e Pensionistas do INSS)
O QUE DISSERAM OS SEGURADOS NAS ENTREVISTAS FEITAS PELA CGU
De 1.273 entrevistados, 90 eram beneficiários cujos dados haviam sido enviados pelas próprias entidades ao INSS e 1.183 eram beneficiários cujos débitos tiveram início em 2024. Um beneficiário pode ter mais de um desconto, como no caso de quem recebe mais de uma renda do INSS.
Entidade | Quantidade de descontos de mensalidade | Descontos não autorizados |
% de descontos não autorizados |
Total de UFs dos entrevistados |
Caap | 215 | 214 | 99,5% | 19 |
ABSP (atual AAPEN) | 210 | 210 | 100% | 19 |
Master Prev | 98 | 97 | 99% | 21 |
Cebap | 95 | 95 | 100% | 20 |
Ambec | 87 | 87 | 100% | 21 |
AAPB | 82 | 82 | 100% | 19 |
Unsbras | 72 | 72 | 100% | 21 |
ABCB | 64 | 62 | 96,9% | 19 |
Conafer | 56 | 56 | 100% | 16 |
AAPPS Universo | 52 | 52 | 100% | 19 |
APDAP Prev (ex Acolher) | 40 | 39 | 97,5% | 18 |
CBPA | 32 | 32 | 100% | 8 |
Abapen | 27 | 27 | 100% | 14 |
Unaspub | 23 | 23 | 100% | 13 |
AAB | 22 | 22 | 100% | 12 |
Sindnapi/FS | 26 | 20 | 76,9% | 15 |
Asbrapi/Prevabrap | 18 | 18 | 100% | 11 |
Cobap | 24 | 17 | 70,8% | 11 |
Sindiapi/UGT | 16 | 16 | 100% | 10 |
Unibap | 15 | 15 | 100% | 11 |
AP Brasil | 13 | 11 | 84,6% | 11 |
Abenprev | 10 | 10 | 100% | 7 |
Cinaap | 10 | 10 | 100% | 7 |
Abrasprev | 8 | 8 | 100% | 5 |
Asabasp Brasil | 5 | 5 | 100% | 4 |
Contag | 6 | 5 | 83,3% | 2 |
Riaam Brasil | 4 | 4 | 100% | 2 |
Sinab | 4 | 4 | 100% | 4 |
Abrapps (ex Anapps) | 4 | 1 | 25% | 1 |
FITF/CNTT/CUT | 3 | 1 | 33,3% | 1 |
Sintapi/CUT | 6 | 1 | 16,7% | 4 |
*UFs: Unidades Federativas
O total de descontos de mensalidade varia bastante de uma associação para outra na amostra. Em uma ponta da tabela aparece a Caap (Caixa de Assistência de Aposentados e Pensionistas do INSS), por exemplo. De 215 descontos, 214 não foram reconhecidos pelos entrevistados (99,5%).
A CGU não detalha, na tabela, o total de associados das entidades, para mensurar o porte de cada uma delas. O relatório afirma haver “grande probabilidade de os descontos estarem sendo feitos sem a autorização prévia dos beneficiários”.
Segundo a investigação, alguns entrevistados responderam em nome dos titulares e destacaram a impossibilidade da assinatura do termo de autorização em casos que envolvem pessoas com deficiência (PcD). Há relatos de pessoas impossibilitadas de locomoção por doença grave, indígenas que residem em aldeias e não sabem ler ou escrever ou residentes no exterior e que não tiveram contato com associações quando estiveram no Brasil, segundo a investigação.
Em algumas entrevistas, mesmo quando foram apresentados documentos supostamente fornecidos pelos beneficiários, houve casos em que aposentados não reconheceram as assinaturas nos papéis de filiação e autorização para o desconto, de acordo com a investigação.
O QUE DIZEM AS ASSOCIAÇÕES?
A reportagem da Folha procurou todas as entidades citadas na tabela, mas não obteve resposta das seguintes associações: Caap, ABSP/Aapen, Master Prev, Cebap, Unsbras, Conafer, AAPPS Universo, APDAP Prev, Abapen, Unaspub, AAB, Asbrapi/Prevabrap, Contag, Abrapps/Anapps, FITF/CNTT/CUT e Sintapi/CUT.
A Ambec (Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos), por meio de seus advogados Daniel Bialski e Bruno Borragine, diz que não pratica atividade ostensiva de captação, prospecção e afiliação de associados, e que tais atividades são praticadas por empresas privadas diversas, “de forma que, se qualquer fraude ocorreu, a associação é tão vítima quanto seus associados.”
“A associação vê com surpresa a deflagração da operação Sem Desconto pela Polícia Federal, já que os mesmos fatos são, há mais de um ano, investigados e esclarecidos no âmbito de investigação da Polícia Civil do Estado de São Paulo, e a associação, desde 2022 e de forma espontânea, colabora irrestritamente com a Autoridade Policial, Ministério Público e Poder Judiciário.”
Em uma mensagem automática, a AAPB (Associação de Aposentados e Pensionistas do Brasil) diz que suas atividades foram suspensas por medida cautelar determinada pela Justiça Federal.
“Adiantamos que a AAPB agirá de forma colaborativa com a investigação, sendo sua prioridade que os fatos sejam devidamente esclarecimentos, de modo a evidenciar que há anos atua de forma dedicada, abnegada e comprometida em prol de seus associados.”
A ABCB diz que todos os casos de reclamação “são analisados individualmente, com prioridade e seriedade, visando a pronta resolução de eventuais inconsistências”.
“Temos que apurar e punir associações que receberam recursos para oferecer serviços aos aposentados e pensionistas e, indevidamente, se apropriaram destes valores. Mas também não podemos generalizar e sair punindo todas as associações, pois muitas oferecem serviços relevantes a estas pessoas, cumprindo a finalidade deste acordo de cooperação técnica,” afirma o advogado de defesa da ABCB Fernando José da Costa.
Em nota, a CBPA (Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura) diz que “reitera seu total apoio às instituições de controle brasileiras, que buscam proteger os aposentados de práticas fraudulentas com as quais não compactua e as quais condena veementemente”.
A entidade diz que cumpre regularmente o papel de oferecer a seus associados planos de benefício, que incluem descontos de até 40% na compra de medicamentos e de outros itens de consumo, atendimento de telemedicina e auxílio-funeral no valor de R$ 5.000.
O Sindnap/FS disse, em nota, que “está tranquilo porque sempre priorizou a segurança e a transparência no processo de associação dos aposentados, pensionistas e idosos”. O sindicato afirma que antes mesmo da definição das novas regras de filiação, já solicitava a identificação facial e a assinatura digital de novos associados, além de outros mecanismos de autorização.
“Em relação aos 26 associados procurados pela CGU, consideramos que a forma de abordagem não foi a mais adequada, conforme relato de alguns dos entrevistados que se sentiram constrangidos pelas perguntas e afirmações realizadas pelos pesquisadores da CGU […] a abordagem levou, naquele momento, a uma resposta negativa quanto ao ato de consentimento voluntário da filiação. O Sindnapi fez um levantamento da ficha cadastral da maioria desses 26 entrevistados e pode assegurar que o processo de filiação foi feito de forma transparente”, informa a entidade.
A Cobap afirma que não possui associados diretamente ligados à ela, por se tratar de uma confederação, que está acima de federações e sindicatos. “Os mesmos filiam-se em nossas associações afiliadas e sendo esse o principal motivo para que uma pessoa não reconheça a filiação à Cobap, mas se perguntarem sobre a associação de aposentados que consta na própria autorização, teremos um cenário bem diferente”, afirma a entidade.
Já o Sindiapi/UGT (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da União Geral dos Trabalhadores) informou que não foi alvo da operação da Polícia Federal e que está à disposição das autoridades para prestar eventuais esclarecimentos necessários.
A Unibap (União Brasileira de Aposentados da Previdência) diz garantir absoluta lisura em suas atividades, já tendo efetivado benefícios para mais de 60 mil aposentados, “demonstrando, assim, que a afiliação ao seu quadro é correta e os aposentados efetivamente ali desejam estar”.
“Infelizmente, erros excepcionais sempre ocorrerão, e, nesses casos, a reparação é imediata. Não obstante tais exceções, o benefício social que causa é imensurável, promovendo o acesso dos aposentados a médicos, a descontos em farmácia e a inúmeras outras atividades que o próprio governo não consegue alcançar”, afirma Daniel Gerber, advogado que defende a Unibap.
O jurista também defende a Abenprev (Associação de Benefícios e Previdência) e diz que o órgão já beneficiou mais de 30 mil aposentados de forma direta e comprovada.
A AP Brasil informa que está analisando com atenção as alegações dos entrevistados. “É importante ressaltar que a AP Brasil ainda não teve acesso formal aos documentos da CGU que embasam essa pesquisa, o que dificulta uma análise mais aprofundada neste momento”, diz a associação.
“Reafirmamos nosso compromisso com a transparência e com a regularidade de nossas operações, e tomaremos as medidas cabíveis assim que tivermos acesso aos documentos da CGU e todas as informações relevantes forem devidamente apuradas.”
O Cinaap (Círculo Nacional de Assistência dos Aposentados e Pensionistas) diz que não teve acesso à auditoria realizada pelos órgãos citados, mas que todos os descontos foram efetuados de forma regular e todos os termos associativos foram assinados dentro do ambiente do sistema Dataprev.
A Asabsp (Associação de Suporte Assistencial e Beneficente para Aposentados, Servidores e Pensionistas do Brasil) informa que está apurando internamente as alegações de descontos não autorizados mencionadas no levantamento.
“É importante ressaltar que, até o presente momento, a Asabasp não teve acesso formal ao processo de auditoria, bem como às informações detalhadas dos associados entrevistados”, afirma a entidade em nota.
A Riaam Brasil (Rede Ibero-americana de Associações de Idosos do Brasil) diz que “destaca a importância de que eventuais valores descontados de forma indevida sejam restituídos aos beneficiários” e que “considera fundamental que as autoridades competentes conduzam investigações criteriosas”.
“Sobre os descontos mencionados, a Riaam Brasil esclarece que todos os procedimentos relacionados a filiações e contribuições seguem critérios formais e devidamente autorizados pelos beneficiários, conforme documentação mantida em nossos registros.”
O Sinab (Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil) diz que não está sendo investigado, que apoia as investigações e “espera que os culpados sejam identificados e punidos”.
“Já fomos auditados por amostragem e no relatório da CGU foi usada uma amostra não significativa de apenas quatro pessoas”, afirma José Avelino Pereira, presidente do sindicato.