A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) deve concluir a regulamentação do Open Energy ainda no primeiro semestre de 2025. A informação é de Ricardo Tili, diretor responsável pelo tema no órgão.
Já adotada em outros países, a iniciativa é semelhante ao Open Banking, implementado em 2021 pelo Banco Central. Ambos os modelos se baseiam no compartilhamento seguro de dados dos consumidores, mediante consentimento prévio.
No mercado elétrico, a ideia é difundir os dados sobre o perfil de consumo para diferentes agentes, a fim de promover transparência e reduzir a assimetria nas informações, um obstáculo para a liberalização do mercado livre de energia no país. Ambas as iniciativas buscam dar controle ao consumidor sobre seus próprios dados e contemplam as normas da LGPD (Lei Geral da Proteção de Dados Pessoais).
Desde 2019, houve uma liberalização gradual nos critérios de migração de consumidores de energia ao mercado livre, em que é possível escolher o fornecedor de eletricidade e negociar condições especiais, como preço e prazo.
Desde 1º de janeiro de 2024, todos os consumidores conectados a alta e média tensão podem escolher o fornecedor de energia, e quem tem consumo de até 500 kW deve ser representado por um agente varejista na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica). Para os consumidores de baixa tensão, incluindo residenciais, a abertura deve vir a partir de 2028.
“Estamos falando de um universo de 70 mil consumidores, que pode chegar, caso a abertura do mercado continue, a 90 milhões de consumidores. A abertura pode acontecer antes do Open Energy, que é, assim como outros pontos, uma preparação para a evolução de mercado que esperamos que aconteça”, diz Tili.
O tema está sendo regulamentado na Aneel dentro de um pacote abrangente voltado para preparar o mercado para esse movimento maior de liberalização. Sob relatoria de Tili, além do Open Energy, o processo aborda abuso de poder de mercado pelas distribuidoras de energia e a padronização das faturas e alterações nos prazos de migração de consumidores.
“Abrimos consulta pública e não sei se a área técnica concluirá as análises antes do fim do meu mandato. A expectativa é fecharmos no primeiro semestre a consulta pública”, disse o diretor da Aneel.
A proposta da Aneel prevê que o compartilhamento de dados seja feito por meio de um acordo customizado por dados do consumidor, com interface padronizada por meio de APIs (interfaces de comunicação). A expectativa é que o consumidor possa comparar ofertas de diferentes comercializadoras de energia e acessar as mais adequadas ao seu perfil de consumo energético.
A finalidade é economizar na conta de luz, embora especialistas discordem sobre esse ponto pela falta de visibilidade de como será a abertura do mercado livre de energia no Brasil.
IMPACTO NA CONTA DE LUZ
Para Caio Alves, head de Regulação de Energia no escritório Rolim Goulart Cardoso Advogados, ainda não é possível saber se o consumidor terá uma economia ao fim do processo. “Hoje, quando a distribuidora compra energia nos leilões, o consumidor é protegido pelas diretrizes e garante a melhor oferta, com preço menor. Mas não podemos pressupor que, quando você coloca a comercializadora no negócio para dialogar com direto com o consumidor, ele vai ter ofertas melhores. Você vai jogar o consumidor para os ‘leões’”, disse o advogado.
O Open Energy é importante porque vai permitir ao comercializador oferecer as melhores com base no perfil e nas necessidades do setor cliente, afirma Bernardo Sicsú, vice-presidente de Estratégia e Comunicação da Abraceel (Associação Brasileira de Comercializadores de Energia Elétrica). Ele, porém, admite que não há estudos específicos sobre o modelo e a economia na conta de energia.
“Temos vários estudos sobre como a abertura de mercado vai trazer uma redução na tarifa de energia dos consumidores. Junto deste processo temos o Open Energy como um instrumento importante para fomentar e incentivar o poder de escolha do consumidor. A partir do Open Energy você entenderá melhor o seu cliente e ofertará os melhores produtos e serviços, isso ocorre em vários outros setores da economia. Não à toa os vendedores nas lojas sempre perguntam os nossos interesses, as nossas preferências, para poder adequar melhor a oferta ao consumidor”, destacou Sicsú.
A CCEE, entidade responsável pelas negociações de compra e venda de energia elétrica no país, está trabalhando na criação de um site de comparação de preço para melhorar a competição dentro do mercado livre de energia no âmbito da consulta pública sobre o Open Energy, a fim de levar ao consumidor a melhor proposta, com base em filtros personalizados.
“Existe uma assimetria de informações enorme no mercado. O portal de comparação vai trazer muito avanço, principalmente quando falamos da abertura total do mercado. Nossa intenção é discutir com o mercado para reduzir a assimetria e dar mais segurança para o consumidor escolher o seu fornecedor, sem limitar a inovação ou novos produtos que possam ser criados”, disse gerente-executivo de Regulação, Informações ao Mercado e Capacitação da CCEE, Cesar Pereira.
A LGPD também entrou na discussão sobre o Open Energy brasileiro, assim como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça e que fiscaliza o cumprimento da legislação em questão. Para Caio Alves, a consulta pública da Aneel não propôs um limite na regulamentação entre a autoridade de dados e agência reguladora do setor elétrico, e não está claro a quem o consumidor de energia poderá recorrer caso necessário —se considerar que seus dados foram violados, por exemplo.
Para Ricardo Tili, a regulamentação da Aneel resguarda os direitos relacionados ao setor elétrico, sendo razoável que questões futuras envolvendo o Open Energy estejam no âmbito da agência reguladora de energia. “Não vejo nenhum empecilho em trabalhar junto com outro órgão em processos, as agências estão sempre se comunicando e fazendo normas que perpassam”, afirmou Tili.
GREEN BUTTON
A proposta submetida à consulta pela Aneel divide a implantação do Open Energy em duas etapas, sendo que a primeira, chamada de Green Button (em alusão ao nome usado nos Estados Unidos), deve estar disponível até dezembro de 2025. A ideia desta fase é o consumidor ver informações do seu consumo fornecidas pelas distribuidoras, no caso do consumidor cativo, e pelas comercializadoras varejistas e CCEE, para os consumidores já inseridos no ambiente de contratação livre.
A segunda etapa prevê compartilhamento de informações de maneira automática, via interface de programação em aplicações, de forma que o consumidor regulado interessado em receber ofertas para migração entre mercados e/ou fornecedor poderá entrar no site da distribuidora para solicitar que seus dados sejam compartilhados com os comercializadores varejistas.
A distribuidora deverá compartilhar o pedido com a CCEE, que será o diretório central do Open Energy, e enviará a lista das empresas participantes da modalidade para que o consumidor selecione aqueles com quem quer compartilhar suas informações. O prazo de implementação é dezembro de 2026, mas diversas empresas em suas contribuições na consulta pública pediram maior prazo, devido a necessidade de aperfeiçoamento tecnológico de seus sistemas.
Segundo Sicsú, a Abraceel, por exemplo, solicitou que a Aneel não estabeleça uma data específica para o início do Open Energy, mas um período para implementação a partir da aprovação, para trazer mais previsibilidade às empresas e tempo para aprimoramento dos mecanismos necessários.