Olho para a direita, oceano Atlântico. Olho para a esquerda, um pouco mais distante, oceano Índico. Estou no cabo da Boa Esperança pensando em quem teve a ideia e como se repartiu tanto mar.
Tecnicamente o ponto que identifica essa divisão fica um pouco mais ao leste, mais precisamente no cabo das Agulhas. Mas para efeitos poéticos, e sobretudo para nós brasileiros, frutos das navegações portuguesas entre os séculos 15 e 16, é ali, no Boa Esperança que eu resolvi pensar no assunto.
Estava na África do Sul, mais precisamente na Cidade do Cabo, para fazer uma reportagem sobre o incrível Zeitz Mocaaa, o Museu de Arte Contemporânea da África. E já que estava por lá, senti aquela comichão por explorar um pouco mais as redondezas.
Primeiro fui além da Cidade do Cabo para visitar vinícolas, uma conhecida atração turística sul-africana. Bebi vinhos incríveis a preços risíveis e mais uma vez me perguntei displicentemente por que essas garrafas não são populares no Brasil —e quando aparecem, estampam preços do velho continente.
Mas meu espírito aventureiro estava ansioso por mais. Reservei então um passeio de um dia, que em uma só tacada saciaria talvez essa minha curiosidade: iria visitar ver a cidade do alto da Table Mountain, a montanha que é um cartão postal da cidade; Bo-Kaap, o bairro de imigrantes (malaios e indonésios em maioria) com casinhas coloridas; a praia dos pinguins africanos; e o cabo da Boa Esperança.
Antes de prosseguir, preciso comentar que a expressão “pinguins africanos” talvez tenha provocado uma certa estranheza em você. Este não é um animal que faz você pensar imediatamente em África.
Certamente ele não está na lista dos “big 5” dos safáris locais: leões, elefantes, leopardos, búfalos e rinocerontes. Porém eles fazem parte da fauna do continente e, para a minha surpresa, me receberam com uma jovialidade como se nunca houvessem conhecido uma geleira. A população não é grande: menos “Marcha dos pinguins” e mais “Madagascar 3”. Mas não me arrependi de ter passado por lá.
Bo-Kaap é lindo, mas um passeio de alguns minutos. E, para minha infelicidade, a Table Mountain estava coberta por uma pesada névoa, logo, bloqueado para visitas. Apostei todas as fichas no ponto com latitude -34.358 e longitude 18.471.
Não joguei essas informações ao acaso. Assim que pisei lá, logo após um frisson histórico de reviver
na memória não vivida o auge da era dos descobrimentos, fiquei pensando nessas linhas imaginárias.
Assim como a própria divisão entre os oceanos, essas informações tão precisas são uma criação humana. Mais apuradas talvez do que a partilha das águas, mas arbitrárias também. E fiz uma breve viagem no tempo, um tempo em que as coisas deste mundo ainda eram desconhecidas.
Não fosse a visão de marketing de João 2º, a descoberta do navegador Bartolomeu Dias se chamaria cabo das Tormentas, palavra que representava tão bem sua maré turbulenta. Mas o rei achou que o nome poderia espantar novos aventureiros e sugeriu cabo da Boa Esperança. O resto é história. Uma história de homens sonhadores, de curiosidades infinitas, de riscos e erros, de possibilidades.
Focando meu olhar agora nem para a direita nem para a esquerda, mas para a imensidão azul na minha frente, apaguei todas as linhas que já foram traçadas nos mapas. E quis sonhar que ainda tinha o mundo inteiro para conhecer.