/ May 07, 2025

Vaticano tem relação de oito décadas com o futebol – 06/05/2025 – Esporte

Começa nesta quarta-feira (7) o conclave que definirá o substituto de Francisco, o papa de maior conexão com o futebol. O próximo sumo pontífice terá de lidar com a demanda por uma Igreja Católica mais palatável às novas gerações, busca que no papado encerrado no mês passado, com a morte de Francisco, incluiu o esporte.

Não foi, claro, um tema central. Mas o apreço do argentino –nascido Jorge Bergoglio e notório torcedor do San Lorenzo– pelo futebol ajudou a ilustrar a busca por uma Igreja mais leve e aberta aos anseios da sociedade do século 21. Em 2019, por exemplo, ele abençoou a criação primeiro time feminino do Vaticano.

Mas a ligação da Igreja com a bola não se iniciou neste milênio. As associações esportivas do Vaticano listam como episódio histórico um jogo de 7 de janeiro de 1521, no Pátio do Belvedere, que teve na plateia o papa Leão 10. Era uma partida de “calcio florentino”, uma modalidade brutal que ainda é disputada na Itália e fica entre o futebol e o rúgbi.

O futebol propriamente dito tem seus primeiros registros após a Segunda Guerra Mundial, encerrada há oito décadas. Houve em 13 de abril de 1946 um amistoso entre funcionários administrativos e funcionários do Governatorato do Vaticano. No ano seguinte, foi organizado um campeonato entre os funcionários da Santa Sé, com quatro equipes.

Mas, nas peladas de rua, nos grandes estádios ou na sede da Igreja, futebol é futebol. O clima esquentou na final, entre os trabalhadores das Vilas Pontifícias e os da Fábrica de São Pedro, e uma briga que envolveu jogadores e público impediu o término da competição e provocou um hiato de duas décadas.

Clubes foram fundados a partir de 1966, e uma liga tomou forma em 1972. O campeonato teve diferentes formatos, porém prosperou, e hoje o Vaticano, como boa parte das nações de tradição no futebol, tem três competições: uma liga, uma copa e uma disputa entre o vencedor de cada uma das anteriores, a supercopa.

Os certames são organizados pela ASD (Associazione Sportiva Dilettantistica – Sport in Vaticano), que em 2015 deixou de ser exclusivamente uma associação de futebol e passou a incluir outros esportes, como o atletismo. As partidas não ocorrem no Vaticano, menor Estado soberano do mundo, mas logo ao lado, em um campo no qual se pode observar a Basílica de São Pedro.

O Vaticano tem ainda uma seleção, que fez sua primeira partida oficial em 1994 e desde então atua esporadicamente. O time branco e amarelo chegou a ser pontualmente dirigido por Giovanni Trapattoni, histórico treinador italiano, e estabeleceu uma espécie de rivalidade com Mônaco, seu adversário em uma série de amistosos.

Os jogadores, funcionários da Santa Sé, não são nascidos no Vaticano, raro Estado soberano que não é filiado à Fifa (Federação Internacional de Futebol). Isso não impede uma relação institucional, e a federação prometeu recentemente cumprir um desejo do papa Francisco, um grande jogo beneficente com estrelas mundiais do esporte.

“Ele era um líder incrível e um fã do nosso lindo esporte”, disse o presidente da Fifa, Gianni Infantino. “No nosso último encontro, compartilhamos a vontade de organizar um jogo com lendas da Fifa em campo: posso confirmar que será disputado em setembro. O papa Francisco estava convencido de que o futebol poderia verdadeiramente unir o mundo.”

Nesse esforço, além de apoiar a midiática Clericus Cup –que reunia seminaristas do mundo todo para um campeonato em Roma e foi interrompida na pandemia de Covid-19–, Francisco deu seu impulso à formação de um time feminino no Vaticano. A estreia ocorreu há seis anos, em um amistoso com o time profissional da Roma.

“Mesmo que o resultado seja 30 a 0, não importará”, afirmou na ocasião Danilo Zennaro, representante da ASD, prevendo um inevitável desequilíbrio, comprovado no placar de 10 a 0. “Não importa. O que importa é criar conexões e amizades. Tínhamos times masculinos havia décadas. Era justo que as mulheres que trabalham no Vaticano tivessem também a chance de jogar.”

Papa de 2013 a 2025, Francisco acostumou-se a receber delegações esportivas, sempre registrando o “poder unificador do esporte” e apontando que “a vitória começa na humildade”. A prática também era recorrente no papado de João Paulo 2º (1978-2005), que recepcionou em 1984 os jogadores do São Paulo –presentes na Itália para amistoso com a Roma.

Outro time tricolor, o Fluminense, construiu relação ainda mais profunda com João Paulo 2º, que esteve no Brasil em 1980 e ganhou uma camisa de um garoto de dez anos. Pouco após a visita, o Fluminense venceu o primeiro turno do Campeonato Carioca nos pênaltis, em cima do Vasco, e a torcida entoou a canção “A Bênção, João de Deus”.

Composta justamente para a recepção ao papa, a música de Péricles de Barros e Moacyr Geraldo Maciel se tornou bastante popular. A partir da vitória sobre o Vasco no primeiro turno –e da confirmação do título carioca na decisão, também contra o Vasco–, acabou tornando-se um mantra tricolor, entoado em momentos de aflição ou euforia.

Um desses momentos ocorreu em 2009, quando matemáticos apontavam 99% de risco de rebaixamento no Campeonato Brasileiro. A arrancada que evitou a queda foi apontada por parte da torcida como “um evidente milagre” de João. Foi o que pensou Igor Viviani, o garotinho que entregara a camisa a João Paulo 2º em 1980 e que, em 2010, como diretor do Fluminense, oficializou o polonês como padroeiro oficial do clube.

Já o Corinthians tem são Jorge como padroeiro, mas teve de apelar a outro papa para preservar seu culto. Os torcedores amargavam um jejum de títulos que já se aproximava dos 15 anos, em 1969, quando ganharam novo motivo para desespero. Em episódio conhecido como “cassação de santos”, Paulo 6º promoveu uma reordenação do calendário litúrgico, e nomes como o de são Jorge, celebrados em apenas algumas regiões do planeta, deixaram de fazer parte da lista oficial.

Então, o corintiano dom Paulo Evaristo Arns, que logo se tornaria arcebispo de São Paulo e cardeal, procurou o papa. De acordo com seu relato no livro “Corintiano Graças a Deus!”, em uma audiência com Paulo 6º, afirmou: “Santo padre, nosso povo não está entendendo direito a questão. São Jorge é muito popular no Brasil, sobretudo entre a imensa torcida do Corinthians, o clube mais popular de São Paulo”.

“Não podemos prejudicar nem a Inglaterra, nem o Corinthians”, respondeu o papa, segundo o brasileiro, lembrando que o santo guerreiro também é patrono dos ingleses e ordenando sua inclusão nos calendários deles e dos brasileiros. “Caso contrário, seremos culpados de um equívoco.”

Resta claro, acredite você ou não em cada palavra no relato de dom Paulo Evaristo Arns, que fé e futebol estão longe de ser incompatíveis, no catolicismo ou em outras religiões. Como observou em 2010 o monsenhor Claudio Paganini, que na ocasião atuava como diretor da Clericus Cup, “se você vai à missa às dez, almoça e depois vai ao campo, há tempo para tudo”.

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