As regras sobre seguros constantes dos contratos de concessão e PPP de infraestruturas brasileiros ainda padecem de diversas inadequações que deveriam ser corrigidas, particularmente em vista da relevância dos seguros como instrumento de diluição social de riscos em um contexto em que se espera o aumento da frequência de eventos climáticos extremos.
Essas regras são atualmente praticamente iguais nos diversos setores e dizem que os riscos de eventos imprevistos, de impactos extraordinários, como caso fortuito e força maior, são do concessionário caso haja seguros disponíveis no mercado para esses eventos.
A intenção originária da redação dessas cláusulas era transferir uma parte do risco desses eventos para o mercado segurador, desonerando parcialmente o poder público que, no Brasil, por lei e pelos contratos, é o responsável pelo risco desses eventos.
Entretanto, essa formulação está desatualizada, pois foi elaborada em 2005, nos documentos colocados em consulta pública para a realização da PPP da BR-116/324 – BA, em uma época em que a Susep, o órgão regulador do mercado de seguros, exercia controle total sobre todos os produtos de seguros e as coberturas oferecidas pelas seguradoras.
A partir daí essa cláusula foi amplamente copiada para contratos de concessão nos mais diversos setores.
No entanto, em 2021, surgiu a Resolução 407 do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados), que possibilitou a flexibilização das cláusulas das apólices de seguros para contratos superiores a R$ 15 milhões de importância segurada. A partir desse momento, o segurado pode solicitar coberturas diferenciadas e personalizadas para proteger seu ativo ou projeto, de acordo com os riscos previamente identificados. Assim, no cenário atual, é viável contratar qualquer tipo de seguro, desde que haja interesse por parte dos seguradores e resseguradores, tanto nacionais quanto internacionais, em assumir esses riscos, e que o contratante esteja disposto a pagar o prêmio correspondente.
Nesse contexto, se interpretássemos literalmente as regras atuais dos nossos contratos de concessão, chegaríamos à conclusão de que, como tudo é possível ser segurável, todo o risco dos eventos é do concessionário, que deveria se proteger por meio da contratação de coberturas de seguros amplas. Felizmente, a interpretação tem sido no sentido de verificar se está disponível no portfólio de produtos das seguradoras (independentemente da customização que pode ser pedida por cada contratante de seguro) a cobertura securitária dos eventos imprevisíveis e de impactos extraordinários.
Além da necessidade de adequação da linguagem, existe um problema mais sério relacionado a essas regras. Elas vinculam a alocação contratual de riscos à disponibilidade de coberturas no mercado de seguros. Assim, mesmo que alguns editais estabeleçam prazos limitadores de um a dois anos, pode surgir uma nova modalidade de seguro, transferindo o risco desse evento para o concessionário, independentemente de o custo dessa apólice ter sido ou não previsto nos estudos iniciais da concessão.
Trata-se de uma distribuição de riscos flexível, variável ao longo do tempo de acordo com o surgimento ou desaparecimento de coberturas de seguros. Mas, como imaginar que o concessionário fará investimentos e a adoção de providências para evitar ou minorar os impactos da ocorrência dos eventos gravosos relativos a cada risco se basta uma alteração no mercado segurador para que esse ou aquele risco não seja mais dele?
Neste caso, a contraparte da flexibilidade na distribuição de riscos é a perda do incentivo para adotar ações de proteção das infraestruturas que demande investimentos com impactos de longo prazo. Por isso, é preciso alterar essas cláusulas para se prever uma distribuição estável de riscos e clareza sobre quais seguros devem ser obrigatoriamente contratados pelos concessionários.
Além disso, para os seguros patrimoniais, seria muito importante que os contratos de concessão especificassem em mais detalhes os “bens que integram a concessão e o estado em que deverão ser revertidos, quando do término do contrato de concessão”.
Isso facilita a análise dos seguradores na definição dos riscos envolvidos na contratação desses seguros.
Os valores da “Perda Máxima Possível” e do “Dano Máximo Provável”, que impactam diretamente o limite das coberturas, bem como a previsão do custo com contratação das apólices de seguros deveriam ser especificados no contrato de concessão e serem revistos periodicamente. Atualmente, a definição desses valores é atribuída aos concessionários, o que gera incentivos para empurrar esses valores para baixo, subestimando a necessidade das proteções securitárias, produzindo o efeito do que se chama no mundo de infraestrutura de “seleção adversa”, que é a obtenção de vantagem na licitação pelo participante que subestimar os limites e coberturas de seguros, para reduzir os seus custos ao longo da concessão.
Por fim, seria importante regulamentar e implementar a revisão periódica dos planos de seguros, pelos quais o poder concedente pode, em vista de mudanças nos ativos da concessão ou no mercado segurador, corrigir eventuais distorções, alterando as características dos seguros obrigatórios e reequilibrando o contrato de concessão pelo aumento ou redução dos custos gerado por essas mudanças.