A política pública importa. Não basta, contudo, a boa intenção. O impacto das medidas depende dos detalhes de seu desenho e de como serão implementadas.
Por vezes, o debate fica polarizado em temas que prometem muito, como maior intervenção do setor público na economia x Estado mínimo, ou a razoabilidade na concessão de incentivos para a indústria nacional.
A pesquisa aplicada, contudo, tem revelado que os problemas são bem mais sutis.
Os estudos sobre a história econômica de diversos países nos últimos séculos mostram que o desenho particular das regras e instituições, incluindo a forma de intervenção do setor público, afetou o desenvolvimento econômico dos países.
As evidências são detalhadas na resenha de Shilag Ogilvie e A. W. Carus, “Institutions and Economic Growth in Historical Perspective” (Instituições e Crescimento Econômico em Perspectiva Histórica), Handbook of Economic Growth, 2014.
Talvez seja útil começar com o exemplo da educação. Pesquisas de especialistas em aprendizado, incluindo economistas, têm revelado a relevância de aspectos sutis no processo de formação das crianças.
O que ensinar em cada idade, como melhor desenvolver habilidades cognitivas (como na alfabetização ou na matemática) e quais são as técnicas mais eficazes para a dinâmica da sala de aula ou para a gestão da escola?
Os economistas contribuem com método e perguntas. Será que alterar a remuneração de professores, tornando-a variável em função da sua presença na sala de aula, afeta o aprendizado dos alunos?
Escolas numa mesma região da Índia são sorteadas: parte passa a ter o novo método de remuneração, as demais preservam o regime usual. Compara-se então o resultado no aprendizado dos alunos. Sim, o novo método de remuneração melhora o aprendizado dos estudantes.
Dezenas de diretores do Texas são sorteados; para alguns, são oferecidos cursos de gestão, para outros, não. O aprendizado dos alunos melhora no caso de diretores que fizeram curso de gestão? Sim.
Esses são apenas dois exemplos de uma lista imensa de resultados sobre aspectos muito específicos do processo educacional, relatados por Roland Fryer, no texto “Management and Student Achievement” (Gestão e Desempenho dos Estudantes), e por Esther Duflo, Rema Hanna e Stephen Ryan, no artigo “Incentives Work: Getting Teachers to School” (Incentivos Funcionam: Levando Professores à Escola), publicado em 2012 na American Economic Review.
Existem vários métodos de alfabetização. Qual o mais eficaz? Que técnicas na dinâmica da sala de aula reduzem a chance de algum estudante ficar para trás? O livro “Aprendizagem Infantil”, publicado pela Academia Brasileira de Ciências em 2011, sumariza resultados da pesquisa aplicada sobre educação e seus impactos.
Qual tipo de apoio às famílias contribui para o aprendizado das crianças, sobretudo no caso dos grupos mais vulneráveis? Esse tipo de apoio deve variar com as condições de cada caso? Como está a vida dessas crianças, décadas depois? Qual a relevância da educação nos primeiros cinco anos das crianças?
Para quem se interessar por esses temas, vale visitar o site de James Heckman, professor da Universidade de Chicago e Prêmio Nobel de Economia.
Essa é apenas uma amostra das perguntas nas pesquisas sobre gestão da educação. A gestão não é mais fácil em outros temas de política pública.
A regulação de setor elétrico é particularmente difícil. O mesmo ocorre com as regras para o provimento de saúde para a população, apesar dos imensos avanços da pesquisa em medicina.
Alguns países optaram por fazer apostas em políticas de desenvolvimento setorial.
A grande maioria fracassou. Alguns conseguiram bons resultados. Quais as características do desenho da intervenção e dos mecanismos de controle que estão mais correlacionadas com as poucas histórias de sucesso?
Existem muitos exemplos documentados de políticas que fracassaram recentemente no Brasil, como as registradas no livro “Para Não Esquecer”, organizado por Marcos Mendes.
Mudanças na tecnologia afetam os mecanismos de intervenção e regulação. A telefonia móvel traz temas distintos da telefonia fixa.
O desenho, as regras de implementação, os mecanismos de controle são relevantes para a eficácia das políticas de transferências de renda.
Detalhes que parecem insignificantes podem afetar a qualidade do programa, como mostram alguns exemplos sistematizados por Esther Duflo no artigo “The Economist as a Plumber” (O Economista como Encanador), publicado na American Economic Review em 2017.
Durante muito tempo, achou-se, no Brasil, que o desafio do desenvolvimento eram os temas da macroeconomia, como câmbio e taxa de juros. Nosso desafio seria desenvolver a indústria nacional e depender menos do exterior.
Mesmo nas melhores universidades em outros países acreditava-se que os temas da microeconomia eram pouco relevantes para analisar o desenvolvimento dos países.
Os detalhes sobre as regras do jogo, incluindo o desenho dos incentivos, da governança e dos mecanismos de controle, teriam apenas impactos localizados sobre a qualidade da política pública.
Essa crença estava errada, segundo as pesquisas das últimas décadas.
Os detalhes sobre as políticas públicas e sobre as regras para a regulação dos mercados explicam boa parte da diferença de renda entre os países. Chad Jones, no artigo “The Facts of Economic Growth” (Os Fatos do Crescimento Econômico), publicado no Handbook of Macroeconomics, em 2016, sumariza resultados da pesquisa aplicada sobre o tema.
No Brasil, contudo, não acompanhamos as pesquisas aplicadas. Nosso voluntarismo descuida dos detalhes na implementação da política pública.
No meio do caminho, o Estado, com muito poder de intervenção, se torna terreno fértil para ser capturado por grupos de interesse.
Nossos problemas decorrem das escolhas que fazemos sobre as regras para as relações de mercado e o detalhamento da política pública. Há muito o que podemos fazer para superar as nossas mazelas.
Esta coluna resume a parte final do ensaio que escrevi para o livro “Vozes do Pensamento Brasileiro”, a ser lançado pelo Museu Casa Darcy Ribeiro.