O presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Gilberto Waller Júnior, disse à Folha que chegou para fazer um saneamento no órgão e antecipa que fará uma revisão dos processos de concessão de todos os benefícios pagos pelo órgão. “A gente precisa olhar começo, meio e fim.”
Waller Júnior diz que, a partir de agora, as nomeações de coordenadores para a autarquia serão apenas de técnicos. Segundo ele, a mando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Estamos comprando briga com Deus e o mundo. Quando você bloqueia consignado, bloqueia pagamento, a gente não está comprando briga pequena”, diz. “Se tiver alguém com algum problema, alguma suspeita, alguém por indicação política, é o momento adequado para fazer esse saneamento.”
Sobre o empréstimo do consignado via INSS, declarou que a ideia é fazer um grande debate sobre a sua continuidade, mas admite que pelo valor que o órgão recebe dos bancos hoje, é melhor que a modalidade acabe. “Para receber R$ 117 milhões por ano e ter toda hora dizendo que a fraude do consignado é do INSS? É melhor acabar. O INSS não faz parte dessa cadeia de empréstimo.”
Segundo ele, a Justiça avalia o bloqueio de R$ 2,5 bilhões de bens das associações envolvidas no escândalo. O governo vai pedir ao Judiciário para fazer a venda antecipada desses bens para ressarcir às vítimas das fraudes.
Está um clima muito ruim no INSS. O que se ouve é que os “nervos estão à flor da pele”.
Creio que o clima seja péssimo mesmo. O INSS tem que ser o lugar em que o segurado se sinta em casa e não nas páginas policiais, com operação da PF, escândalo, propina, mala de dinheiro, dirigentes com milhões de reais na conta. Estamos no olho do furacão. Ao mesmo tempo em que há uma mudança de gestão, precisamos dar uma resposta rápida para a sociedade.
Existe um processo de descentralizar o instituto?
Na primeira conversa que tive com o ministro Wolney Queiroz [da Previdência] falei da dificuldade que o INSS tinha de nomear, exonerar, de contratar. Na gestão anterior, o INSS não podia nomear ou exonerar um cargo mais simples da sua estrutura. Tudo tinha que passar pelo crivo da Previdência. Isso trouxe um atraso enorme aqui para mudar a equipe.
Ele já delegou em portaria ao presidente do INSS a nomeação para cargos de até coordenador geral. Não combina com uma autarquia com o tamanho do INSS ficar dependendo de um crivo ministerial para nomear o seu chefe de agência, seu gerente executivo, seu chefe de serviço. Autarquias têm que ser dirigidas por técnicos. A partir do momento que se coloca um crivo de ministério para escolher quais são os coordenadores, chefes, você fragiliza a autonomia da autarquia.
Abre espaço para nomeações políticas, seria isso?
Quem está mais próximo sabe aquele técnico que presta melhor serviço ou não, se a pessoa é adequada para aquele cargo. Não estou aqui falando sobre questões políticas, mas cada vez que você sobe mais o nível para a escolha daquele cargo, mais difícil é para o ministro saber se aquela pessoa é adequada ou não para ser chefe de agência.
O INSS tem cargos muito técnicos ocupados por indicações políticas?
Eu não sei. O que o presidente Lula me falou foi: ‘Você tem carta branca para sanear o INSS, para colocar os técnicos, as pessoas mais adequadas’. As nomeações e exonerações que estou fazendo, eu não pergunto de quem que ele foi indicado, quem o mantém ali. Simplesmente estão sendo exonerados e nomeados novos técnicos. Essa pergunta de quem indicou, quem te assegura, não é feita.
Eu escolhi os novos diretores e falei: ‘eu não vou mexer nos seus coordenadores, você é responsável pela escolha e o critério tem que ser único, exclusivamente técnico. Agora, se der um problema em alguma política pública, eu vou cobrar pessoalmente de você’. Se tiver alguém com algum problema, alguma suspeita, alguém por indicação política, é o momento adequado para fazer esse saneamento.
Os acordos associativos aumentaram na pandemia, em 2019. Ficou mais fácil fraudar?
Menos controle presencial e mais dependência eletrônica. Encontraram ali uma brecha para uma grande fraude. Alguns dos atores que estavam na fraude na pandemia se encontram na fraude agora.
A ação da AGU contra 12 entidades que seriam o núcleo da fraude excluiu várias associações que estão na investigação. A Contag, a Conafer, o Sindnapi. Por que isso aconteceu?
Tem responsabilização de pessoas físicas, dos nossos agentes públicos e dos sócios. Mas as empresas que cometem corrupção respondem a um processo específico previsto na lei anticorrupção, quando paga propina ou é fantasma.
Todas as 12 pagaram propina ou não tinham condições nenhuma de funcionar. O único objetivo era fraudar. As outras empresas que estão no relatório até hoje não tem comprovação. As investigações persistem. Se uma ou outra aparecer com pagamento de propina, como fantasma, sem condições de funcionamento, provavelmente —e eu falo provavelmente porque a CGU avocou para poder melhor apurar— vai abrir processo contra as demais. A situação é diferente. Irregularidades existem de todas que estão na operação. Mas o que temos hoje para abrir processo são aquelas que a PF detectou.
Numa delas, o irmão do presidente Lula é um dirigente. Outra é uma entidade da área rural, que é base de sustentação do PT. Pareceu algo arbitrário e não houve uma explicação…
Essa situação foi decidida tecnicamente. Eu não tenho como enquadrar na lei anticorrupção outras condutas. Não tenho, neste momento, elementos suficientes.
O presidente da Câmara falou que pode adotar medidas legislativas. Ele sugere, inclusive, acabar com o INSS intermediando os descontos associativos. É o caminho?
Cabe ao INSS ser essa ponte numa relação privada? É uma discussão a ser feita. Se vale o modelo de uma relação privada, que emite boletos, e desconta no seu cartão de crédito, e não cabe ao INSS interferir. Ou o INSS precisa ser um garantidor, uma primeira porta para barrar a fraude. Vejo pontos positivos dos dois lados. Não fechei ainda o entendimento. Tem horas que eu falo: nosso segurado precisa de uma proteção maior. Se o INSS não foi capaz de fazer essa proteção, imagina o nosso segurado, lá na ponta, sendo procurado por alguém com um papelzinho. Por outro lado, o INSS está manchando a sua imagem, sendo manchete numa relação desnecessária. O INSS é simplesmente um repassador de informação. Alguém que só tem custo e prejuízo de imagem.
O consignado parece ser um problema que está contratado, que envolve muito mais dinheiro? Pode chegar a 40% do valor do benefício.
É uma questão difícil e o INSS não tem essa natureza. O INSS tem por função conceder e manter benefícios previdenciários. Ele não é uma instituição financeira. Ele não faz empréstimos. Verificamos vulnerabilidades, que a gente permite que a instituição financeira não tão proba, correspondentes bancários, tenham acesso ao nosso aposentado sem autorização dele. Os benefícios concedidos a partir de 2024 para serem desbloqueados, precisavam de reconhecimento facial. Mas deixaram abertos todos os demais benefícios. Qual a razão? Não sei. Então a gente colocou o desbloqueio e só reabre se ele autorizar de maneira facial. Vamos criar uma frente ampla para discutir o futuro do consignado dos aposentados e pensionistas.
Mas acha melhor acabar com o consignado via INSS?
Ainda estamos pensando. Pelo custo hoje, é melhor acabar. Para receber R$ 117 milhões por ano e ter toda hora dizendo que a fraude do consignado é do INSS? É melhor acabar. O INSS não faz parte dessa cadeia de empréstimo. O INSS não lucra. O valor do contrato é muito baixo.
A decisão de que os aposentados serão ressarcidos já foi tomada com recursos do Tesouro…
Ele [o presidente] falou primeiramente para esgotar todos os meios para conseguir o ressarcimento por meio de ação judicial para responsabilizar.
A Justiça é lenta no Brasil…
Há R$ 2,5 bilhões que já estão pedidos para serem bloqueados para garantir reparação. Precisamos de autorização judicial para poder utilizar o dinheiro, pedir para poder vender os bens. Pelo pacote anticrime, há a possibilidade de o Judiciário autorizar que o governo faça a venda antecipada. E depois, se reverter a decisão de condenação, o governo ressarce pela utilização daquele dinheiro. Ao invés daquele esquema Jorgina [Jorgina de Freitas, fraudadora do INSS], que a gente ficava administrando apartamento, loja. Agora, a gente precisa saber o tamanho, o quanto, quantas pessoas foram lesadas, qual o valor real do prejuízo. Eu tenho um teto de R$ 5,9 bilhões. Nove milhões de pessoas tiveram desconto associativo [desde março de 2020]. Quanto efetivamente eu preciso de recurso para ressarcir os nossos aposentados e pensionistas?
Na terça-feira, qual a expectativa do senhor? De agências cheias?
A gente não colocou atendimento em agência. A gente não tem agências abertas em todos os locais do nosso país. Hoje, 70% das nossas agências não têm atendimento ao público. Os nossos atendimentos são agendados pela Central 135 e o Meu INSS. Nós estamos pensando em outro canal para poder atender a população que quer o contato presencial, mas eu não posso divulgar ainda se eu não tiver certeza que essa vai estar preparado e pronto para receber essa pessoa.
Correios? Caixa?
Não sei. Olha quantas instituições de nome, renomadas. Podemos juntar todo mundo.
Isso pode gerar fila de aposentados.
Teve uma política de deterioração de atendimento ao nosso beneficiário. O INSS por muito tempo teve uma Diretoria de Benefício e uma Diretoria de Atendimento, que era preocupada em como atender a pessoa, de como verificar, monitorar a fila. Não sei qual a razão, entenderam por bem que essa Diretoria de Atendimento teria que ser extinta e ser criada uma Diretoria de Tecnologia da Informação. Agora a Diretoria de Atendimento voltará. Na verdade, a TI tem que ser uma das formas de atendimento, um meio, e não o fim. Eu tenho que lembrar que a minha população tem uma característica própria
Como ficam as entidades que são idôneas e que tiveram o desconto associativo suspenso?
Está proibido a cobrança em folha. Nada impede que essa associação emita boleto e o associado pague. Eu não conversei com nenhuma associação. Até saber quem é quem, eu não vou receber nenhuma associação.
Esse escândalo mostra que os controles precisam ser alterados. O que o sr. vai mudar nas regras de fiscalização e controle sobre a gestão da folha, que soma mais de R$ 1 trilhão por ano?
Começamos, primeiramente, a passar um pente-fino no que é descontado diretamente no contracheque. E a gente verificou três formas de desconto. A primeira, associativa, fizemos bloqueio. Vamos resolver o passado. O consignado, o que a gente podia fazer de imediato, a gente já fez e vai fazer mais. E a terceira foi do programa Meu INSS Vale +, que é um programa, mas até agora só a PicPay ofertou, mas efetivamente estava aberto a qualquer instituição.
A Febraban foi a primeira a denunciar [problemas no Meu INSS Vale +], mas temos inúmeras denúncias de cidadão, inclusive. Eu tenho sérias dúvidas sobre a sua legalidade. Fazer desconto em folha, sem autorização legislativa. O Meu INSS Vale + foi criado por uma resolução do então presidente do INSS num valor de R$ 450 reais numa possibilidade de superendividamento, porque não afeta a margem consignável.
Por que o senhor acha que o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, adotou a medida?
Não sei. Os órgãos de controle estão apurando. Isso ocorreu na véspera do Carnaval. O programa PicPay foi criado inicialmente com valor de R$ 100, que era um adiantamento. E, na véspera do Carnaval, passou para R$ 450. Em um mês a folha era R$ 280 milhões para a gente descontar dos aposentados. A gente não descontou. Avisamos: não desconto se você não provar que está correto.
A gente está agindo, a gente está fechando, a gente está sentando com órgãos de controle o tempo inteiro e com a nossa área jurídica verificando o que é risco jurídico, o que é risco para o nosso segurado. Estamos comprando briga com Deus e o mundo. Quando você bloqueia consignado, bloqueia pagamento, a gente não está comprando briga pequena.
Tudo que precisamos assinar agora verificamos se tem alguma recomendação do TCU, alguma recomendação do MPF e, principalmente, alguma recomendação da CGU. Para termos várias visões dentro de todos os programas do INSS e verificar onde a gente vai atuar. BPC, seguro defeso, temos que mudar todos os nossos procedimentos.
Uma faxina?
A gente está revisitando todos os processos. Não, eu não quero revisão de custo com aposentado. Eu não quero revisão de gasto com aposentadoria. Eu quero que quem tem direito receba o que tem direito.
E quando a gente fala em revisão de processos, não uma revisão dos BPCs já concedidos, seguro defeso, revisão de benefícios por incapacidade, a gente precisa olhar começo, meio e fim de todos.
Não só a concessão do benefício, mas de todos os requisitos. O que a gente pode desburocratizar? O que pode ser feito para o cidadão? O que eu posso fazer e ter mais garantia de que quem precisa, quem faz jus, receba. Quem não faça jus, não receba. É esse o nosso olhar hoje. É revisitar todos os processos de concessão desses benefícios de manutenção.
E a fila das concessões?
Está altíssima. Tem fila que é desnecessária. A gente em breve vai lançar um programa de minimizar os problemas das filas e pensar numa solução ao longo prazo. Essa Diretoria de Atendimento vai ter essa função: diminuir fila e verificar como a gente pode atender melhor o nosso cidadão. Eu não quero mais o segurado sendo tratado como número.
RAIO-X
Gilberto Waller Junior, 51
Nascido em Taubaté (SP), é formado em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de Taubaté. É especialista no combate à lavagem dinheiro e corrupção. Procurador Federal desde 1998, foi corregedor-geral da União entre 2019 e 2023. Anteriormente, foi ouvidor-geral da União, de 2016 a 2019.