A Índia proíbe que operadoras incluam aplicativos populares como parte de pacotes e os anunciem como gratuidade desde 2016. O primeiro-ministro do país, Narendra Modi, proibiu a oferta desses planos, ainda muito populares no Brasil, via decreto.
O ato de Modi reforçou a soberania digital da Índia e debelou uma iniciativa de colonialismo, diz o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Luca Belli. Para ele, a decisão evitou que o grupo Meta concentrasse o uso da maior parte da cadeia de transmissão de dados da Índia, como ocorre na brasileira, e impulsionou um ciclo de avanço tecnológico no país.
Casos como esse serão o tema do debate “Soberania digital em tempos de mudanças geopolíticas: o caso dos Brics”, no Instituto de Estudos Avançados da USP nesta quarta-feira (14). A mesa trata das políticas digitais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países que concentram 40% da população mundial e geram um mar de dados que interessam as maiores corporações de tecnologia.
Coautor do livro “Soberania digital nos Brics” com a professora chinesa de comunicações Min Jiang, Belli diz que existem várias interpretações para o conceito de soberania digital cunhado inicialmente por russos e chineses. A palestra de Belli será realizada na sala Alfredo Bosi do IEA e transmitida no canal de YouTube do instituto (a participação presencial requer inscrição prévia).
De acordo com o professor da FGV, os países do bloco fundaram o conceito de soberania digital em uma tentativa de se libertar da dependência dos Estados Unidos, mas houve confusão por causa da tendência autoritária de parte dos países do bloco.
A Rússia, por exemplo, adota a abordagem da Runet, um trecho da internet que pode se destacar do resto da rede global e continuar a operar de maneira independente. A medida, entretanto, sofre críticas por interferência do governo na rede.
“A ideia começa a ser considerada como algo não autoritário só quando a Comissão Europeia começa a entender na primeira administração Trump que era inviável confiar cegamente em outros países”, afirma o especialista.
Para o grupo de estudos de Belli, a soberania digital é a capacidade de entender, desenvolver e regular tecnologia, de maneira a exercer controle sobre os ativos digitais, como programas de computador e máquinas. “Se não houver uma estratégia, a única opção é ser uma colônia digital”, afirmou o professor.
Medidas simples, defende ele, como a da Índia ao banir o WhatsApp de graça, podem mostrar o caminho para a soberania digital. “A medida foi um sucesso absurdo para as grandes empresas indianas, que tiveram de conseguir oferecer preços melhores para tirar o consumidor online das plataformas americanas”, diz.
De acordo com Belli, o resultado foi queda de preços acima de 90% nos pacotes de dados e uma explosão no número de usuários, em um ritmo acima do observado no Brasil. “Modi percebeu que lidava com uma tática colonialista”, afirma.
Porém, no Brasil, “ninguém quer ser o presidente que acabou com o WhatsApp de graça”, avalia o professor, e o uso da rede pelas plataformas da Meta está em um nível de concentração inédito. “Sem a Meta a sociedade brasileira, não avança, compromete negócios e até o debate democrático.”
Isso também tem, de acordo com Belli, efeito sobre os negócios digitais brasileiros. “As maiores empresas brasileiras emergentes são bancos digitais, que consomem pouca banda e são as únicas que podem ser usadas facilmente pela maioria dos brasileiros com pacotes de dados limitados.”