O Fed está conduzindo uma ampla reavaliação de como administra a política monetária na maior economia do mundo. Essas revisões são periódicas e, quando bem conduzidas, tornam o banco central mais apto a lidar com choques econômicos e incertezas políticas. A revisão de 2025 é particularmente necessária, já que a anterior, realizada em 2020 —em um cenário de baixa inflação—, mostrou-se inadequada diante da rápida recuperação da demanda e do fim dos choques de oferta decorrentes da pandemia.
A revisão de 2020 teve duas características centrais. A primeira foi a adoção da meta flexível de inflação média (Fait, Flexible Average Inflation Targeting), que permitia à inflação ultrapassar temporariamente os 2% após períodos prolongados abaixo da meta. A ideia era evitar que o principal instrumento de política monetária ficasse restrito (valores negativos de taxas de juros de curto prazo não são usuais) e que as expectativas de inflação estivessem ancoradas bem abaixo da meta. O Fait era assimétrico: o Fed se comprometia a compensar apenas os períodos de inflação baixa, sem exigir medidas de correção nos casos de inflação acima de 2%.
A segunda foi a mudança na abordagem do mercado de trabalho. O Fed passou a focar a minimização de “insuficiências” em relação ao máximo de emprego sustentável —ou seja, preocupava-se com a escassez de vagas, não com o quão apertado pudesse estar o mercado de trabalho e seus impactos para a inflação. Pela primeira vez, o Fed destacou explicitamente que benefícios amplos no mercado de trabalho, como redução de desigualdades, eram parte desejável de seu objetivo.
Antes da revisão de 2020, o objetivo de pleno emprego era tratado de forma mais equilibrada em relação à meta de estabilidade de preços, dentro do chamado duplo mandato: “Promover o máximo de emprego e a estabilidade de preços”. O Fed não definia explicitamente o que seria o tal “máximo de emprego”, tampouco estabelecia uma hierarquia entre os objetivos. A orientação era ter a inflação próxima a 2% e evitar tanto o desemprego elevado quanto o aquecimento excessivo do mercado de trabalho que pudesse gerar pressões desinflacionárias ou inflacionárias, respectivamente.
As mudanças trouxeram desafios de comunicação, principalmente em relação ao nível de inflação “aceitável” para compensar períodos de baixa inflação. O modelo acabou reforçando um viés de atraso na reação do Fed. Em 2022, mesmo com a inflação acima de 5%, a taxa de juros ainda estava próxima de 0%. A política monetária está até hoje restritiva, enquanto a inflação segue resiliente e distante de 2%.
Nessa nova revisão, o Fed deveria considerar o retorno a uma meta de inflação de 2%, conduzida de forma simples e simétrica, além de retomar a preocupação mais ativa com os sinais vindos do mercado de trabalho.
As atuais políticas tarifárias devem pressionar a inflação e o desemprego, e o Fed enfrentará o dilema: manter os juros elevados para conter a inflação ou reduzi-los para estimular o emprego? Oferecer transparência quanto aos seus objetivos, e até mesmo priorizá-los dependendo das circunstâncias, ajudaria os mercados a entender o que esperar —mesmo que não gostem da resposta.
Realizar essa revisão de forma adequada é essencial para preservar a credibilidade do Fed, que é um pilar da sua independência. É positivo —e necessário— que bancos centrais reconheçam seus erros ao longo do tempo. Liderar correções fortalece a defesa da sua autonomia.
A forma como o Fed conduzirá esse processo pode servir de referência institucional para o Brasil, especialmente em um momento em que nosso Banco Central enfrentará pressões crescentes para iniciar um novo ciclo de corte de juros.