A ABCB (Amar Brasil Clube de Benefícios) é uma das 11 entidades investigadas pela Polícia Federal na Operação Sem Desconto, deflagrada para combater um esquema nacional de débitos não autorizados feitos por associações em aposentadorias e pensões.
A sigla, porém, pode se referir a pelo menos outras três entidades que não têm relação direta com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Uma delas é a Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos, presidida pelo pastor Flávio Ezaledo.
“Nós falamos que não somos nós. Pedimos para que as pessoas e os órgãos verifiquem que não é a mesma associação, mas infelizmente isso não é feito e nós somos processados”, afirma o pastor.
A associação afirma que já teve cerca de R$ 150 mil bloqueados por processos judiciais, fora os custos com advogados. “O valor descontado dos aposentados [por mês] é em torno de R$ 30, R$ 40 em média. Mas eles contam também, por exemplo, o dano moral, e aí o valor sobe para R$ 11 mil, R$ 15 mil, que eles bloqueiam da nossa conta”, afirma Flávio.
Alguns valores, diz, já foram repassados para os beneficiários porque a associação perdeu o prazo de resposta após a intimação. “Possivelmente, alguns processos foram enviados para o nosso endereço antigo, no Jabaquara, em São Paulo, e não para a nova sede em São José dos Campos. Mas nós não assinamos nada, então não sabemos como conseguiram nossa assinatura”, diz. A associação ainda apura a situação com seus advogados.
Outra entidade afetada pelo homônimo é a Associação Brasileira dos Criadores de Búfalos, fundada em 1960 para incentivar a bubalinocultura brasileira. A entidade diz ter tido reclamações do Procon e que precisou bloquear o telefone fixo por um período, devido à quantidade de ligações.
“Isso já começou há mais de dois anos, lá por 2022. Recebemos muitas ligações, muitas mesmo, e tivemos que contratar uma advogada pontualmente para resolver essa questão do Procon”, diz Simon Riess, presidente da associação.
O pastor Flávio diz que solicitou ao INSS para que fosse especificado, na folha de pagamento dos aposentados, o nome completo e o CNPJ das entidades que descontam o valor. Ele afirma que o órgão teria respondido que não poderia fazer nada, e que teria sugerido à associação que trocasse de sigla.
O INSS foi procurado pela reportagem, mas não se pronunciou até a publicação desse texto.
Segundo o representante da associação evangélica, o primeiro processo administrativo foi do Procon Municipal de Votuporanga (SP), em dezembro de 2022. A carta de investigação enviada mencionava uma cobrança indevida realizada no mês de janeiro daquele ano, sob a denominação “Contribuição ABCB SAC 0800 000 0177”.
A Folha entrou em contato com o Procon, mas não teve resposta até a publicação da reportagem.
A associação diz que, na época, enviou uma resposta formal ao órgão, dizendo que nunca teve contato com a pessoa afetada pelo desconto. Também alertou que seria preciso verificar o CNPJ da empresa que fez a cobrança, já que o número do SAC não correspondia à associação e que existiam outras pessoas jurídicas que usavam as letras ABCB.
A partir de 2023, segundo Flávio, os processos começaram a se multiplicar, e chegavam de várias regiões do Brasil. Devido ao volume de cartas, não era possível responder a todas, e algumas não aceitavam as respostas, o que gerou processos judiciais.
“Quando já estávamos com uns 200 processos, contratamos um escritório de advocacia, em maio de 2023. Mas atualmente nós já acumulamos mais de 800 processos —ou até mais, porque só hoje já recebi mais alguns —, então o preço dos advogados praticamente quintuplicou. E somos uma associação pequena, não temos fins lucrativos”, diz Flávio.
A Associação Beneficente Cades Barneia é a quarta entidade que utiliza a sigla ABCB.
Também relata problemas com o uso das siglas a Abesprev (Associação de Defesa dos Direitos Previdenciários dos Banespianos), que não realiza descontos em folha de pagamento, mas é confundida com a Abenprev (Associação de Benefícios e Previdência) e com a Abrasprev (Associação Brasileira dos Contribuintes do Regime Geral da Previdência Social), que tiveram relatos de descontos não autorizados.
“Desde o primeiro semestre de 2023, começamos a receber reclamações de pessoas que haviam recebido descontos em seus benefícios, pagos pelo INSS, que alegavam desconhecer”, informa a Abesprev. As queixas eram tantas que a entidade precisou soltar uma nota no site, informando os contatos corretos das outras duas associações.
A Abesprev diz que enviou denúncias ao INSS, mas que nada de significativo foi feito. “Desde 2023, fomos acionados por diversos Procons, por cerca de 30 vezes, aos quais prestamos todos os esclarecimentos necessários e, da mesma forma, respondemos a 51 processos judiciais no total”, afirma.