O que se conta nos bastidores é que o fim do litígio pela Eldorado Celulose não se deu aqui, mas do outro lado do mundo. Agoniado com a escalada do impasse, Joesley Batista assumiu os capítulos finais das negociações com o empresário indonésio de ascendência chinesa Jackson Wijaya.
Há poucos meses, a J&F conseguiu um interlocutor na Ásia, com influência na cena econômica e política, que passou a falar diretamente com um representante da família que detém a Paper Excellence.
Foi apenas nesse empenho final que as partes conseguiram fechar os termos e o valor considerado justo e pôr fim à mais ruidosa disputa por uma empresa brasileira. O acordo foi assinado nesta quinta-feira (15).
Diferentemente de outras divergências na cena dos grandes negócios nacionais, essa não teve aquele encerramento simbólico em que os donos se miram, olho no olho, para selar a paz. Também não é possível dizer que dependeu de um único emissário estratégico. Alguns interlocutores são apontados como estratégicos na construção do desfecho.
O banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, foi um intermediário no ponto de virada. No início do ano passado, foi ele o primeiro a colocar na mesa valores para a recompra da empresa. O valor ventilado na época foi de US$ 2,5 bilhões, bem próximo da cifra final paga à vista nesta quinta-feira (15), de US$ 2,6 bilhões (R$ 15 bilhões).
Esteves é um dos poucos com trânsito entre as duas partes da disputa. Conhece Joesley há anos, e o BTG foi o banco da Paper, desde 2017, para fazer a aquisição da Eldorado. Com o litígio, se afastou. No entanto, segundo apurou a Folha, em meados do ano passado, o banco entrou para auxiliar na negociação que buscava pôr fim ao impasse
Entre os que pediram o entendimento, muito reservadamente, no final do ano passado, foi o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal).
A disputa judicial se tornara muito acirrada nas instâncias inferiores à Corte, com um vai e vem de decisões, e o caso estava indo para corte arbitral da França. Os tribunais já haviam sido acionados para entrar no questionamento sobre a posse das terras por estrangeiros, tendo a compra da Eldorado pela Paper como exemplo a combater.
Quem acompanhou a disputa conta que o ministro ficou preocupado com o desgaste do Judiciário, não apenas no Brasil, mas também no exterior, e com os efeitos para a segurança regulatória e o ambiente de negócios diante de investidores estrangeiros. Barroso teve conversas com as partes, em momentos separados, para defender o caminho do diálogo.
Um encontro pessoal com Joesley ocorreu ao lado do advogado Murillo de Aragão, da Arko Advice, que atuou em diferentes momentos do embate. Do outro lado, quem fez a ponte foi o ex-presidente da República Michel Temer, que acompanhou o presidente da Paper no Brasil, Claudio Cotrim.
Temer teve atuação permanente pelo lado da Paper, sendo apontado como um conselheiro estratégico em vários momentos.
Na linha de frente, com o caso já no STF, o ministro Nunes Marques seguiu na mesma linha e designou uma audiência de conciliação. Ninguém mais queria as empresas se digladiando.
Ter gente no meio de campo se tornou essencial, dado que os encontros entre os acionistas tinham sido marcados pela tensão.
O último deles, em Frankfurt, na Alemanha, em novembro de 2023, foi noticiado no detalhe pela Folha, e dá uma ideia do climão.
Na reunião, Joesley voltou a falar em desfazer o negócio, com a devolução das ações e o ressarcimento do que foi pago por elas, e Wijaya recusou novamente a oferta. Aí, o relato é que a conversa desandou. Nota divulgada após o encontro pela Paper acusou o empresário brasileiro de tentar intimidar a companhia asiática.
“Joesley [Batista] argumentou ter articulações políticas no Brasil e que, por isso, a melhor alternativa seria iniciar a negociação em uma folha em branco”, escreveu a Paper Excellence.
Na época, a J&F disse que não fez qualquer tipo de intimidação durante a reunião. “Pelo contrário, apresentou de boa-fé uma proposta generosa para sanar uma ilegalidade cometida pela Paper Excellence”.
O fato é que depois desse evento germânico, os acionistas não mais se sentaram à mesma mesa.
Do final do ano passado para o início deste, a Paper passou a internacionalizar o litígio. Conseguiu que cortes arbitrais de Cingapura e Londres reconhecessem a decisão arbitral brasileira, que havia dado ganho para a Paper aqui no Brasil, mas depois foi questionada pela J&F. A empresa do asiático também entrou com pedido de arbitragem na CCI (Câmara de Comércio Internacional) em Paris para receber US$ 3 bilhões de indenização.
Em outra linha de frente, em março deste ano, desta vez, na Flórida, nos Estados Unidos, a Paper questionou judicialmente os próprios empresários Wesley e Joesley. Pediu o reconhecimento da sentença arbitral no Brasil e que a Justiça de lá declarasse válido o contrato de compra de todos os ativos da Eldorado, incluindo a Eldorado Flórida.
O mercado americano concentra operações robustas e rentáveis da JBS, maior empresa de carne do mundo, marca primordial dos Batista. O processo judicial entrou em cena ao mesmo tempo em que o grupo já acelerava uma reestruturação para fazer dupla listagem da JBS na Bolsa de Nova York.
Pessoas que acompanham a negociação do interminável imbróglio da Eldorado lembram que a J&F, especialmente por meio da JBS, está crescendo no mundo, e a globalização dessa judicialização da Paper no Brasil poderia prejudicar a bem-sucedida ascensão internacional dos negócios da família. A disputa já não interessava aos Batista.
Os documentos que encerraram o embate foram assinados no banco BTG pelos respectivos times de cada empresa. Não é exagero dizer que centenas de advogados atuaram no caso, mas na reta final cada lado tinha uns 15 especialistas mais próximos. Profissionais de escritórios como Stocche & Forbes, pela Paper, Carlos Mello, ex-Lefosse, agora TozziniFreire, pela J&F —e claro, Francisco de Assis e Silva, o diretor e artífice das questões jurídicas do grupo.
Em salas separadas, do alto comando de cada parte, estavam Cotrim, e Aguinaldo Filho, presidente da J&F e presidente do conselho administrativo da Eldorado, que é sobrinho de Joesley e Wesley.
No mercado a leitura é de que quem mais ganha com o desfecho da disputa é a Eldorado.
Segundo a Folha apurou com pessoas envolvidas na transação, os acionistas também entenderam que a briga penalizava o negócio. As decisões na companhia estavam morosas, seus investimentos eram adiados, enquanto os concorrentes, como Suzano, Arauco e Bracell, avançavam.
Não por nada, no comunicado que anunciou o desfecho de oito anos de litígios, a J&F destacou como fala de Aguinaldo Filho, presidente da J&F e do Conselho de Administração da Eldorado, o compromisso de virar a página: “Este investimento reforça a confiança da J&F no Brasil, na Eldorado e na competitividade do país no setor celulose.”