O destino da ferrovia RMO (Rumo Malha Oeste), malha de 1.973 km que atravessa os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, sofreu uma guinada no TCU (Tribunal de Contas da União), expondo atritos na cúpula da corte.
Na semana passada, o ministro Aroldo Cedraz decidiu contrariar o entendimento do presidente do TCU, Vital do Rêgo, e da Secex Consenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos), determinando a realização de uma nova licitação para a ferrovia.
Com a decisão, um possível acordo entre o governo e a concessionária Rumo nem sequer será avaliado, ou seja, o único caminho agora é seguir até o fim do contrato atual, que se encerra em junho de 2026, e fazer um novo leilão da ferrovia.
A rejeição unilateral feita por Cedraz veio acompanhada de ataques diretos aos propósitos da negociação que tinha sido aprovada por Vital e a Secretaria de Consenso. “Na verdade, não se trata da resolução de solução conflituosa”, afirmou Cedraz, “mas sim de burla à licitação de um novo projeto de infraestrutura ferroviária, em clara afronta à Constituição”.
Na análise de Cedraz, a proposta de solução consensual “permitiria a manutenção da mesma concessionária, que atualmente não preenche os requisitos para prorrogar o contrato, por outros 30 anos, em detrimento da possibilidade de participação de novos interessados na exploração da malha ferroviária”.
A decisão emparedou o Ministérios dos Transportes, que agora precisa correr para atualizar os estudos da RMO, publicar seu edital e marcar o leilão do trecho. A previsão é que a licitação ocorra até maio do ano que vem, ou seja, apenas dois meses antes do fim do contrato com a Rumo.
O caso é, especialmente, importante, dado que o governo ainda tem vários projetos ferroviários de repactuação para encaminhar para a corte, como a FCA, maior concessão do setor em todo o país.
A Folha questionou Vital do Rêgo sobre o assunto. Por meio da assessoria do TCU, ele declarou que não vai se pronunciar. Cedraz afirmou que o que tinha para dizer está registrado em seu despacho sobre o caso. A Rumo declarou que “mantém o canal aberto com o poder concedente para otimização da malha, por meio do grupo técnico liderado pelo Ministério dos Transportes e pelo órgão regulador, ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres)”.
No plano original, a Rumo pretendia entregar o trecho de volta à União. Em 2020, a concessionária chegou a assinar um aditivo contratual para fazer a devolução amigável da concessão, abrindo caminho para uma licitação. Atualmente, cerca de 600 km de trechos da RMO estão totalmente sem tráfego. Outros 1.300 km têm baixíssimo uso, com menos de um par de trem passando pelo traçado por dia, conforme auditoria do TCU concluída no ano passado.
O acordo de devolução previa o prazo máximo de 19 de fevereiro de 2025 para que o governo concluísse a nova licitação. Nos últimos quatro anos, o processo caminhou sem uma definição concreta, até que, em dezembro do ano passado, a ANTT, o ministério e a empresa formularam um pedido para repactuar os termos do contrato, em vez da devolução. Vital do Rêgo e a Secretaria de Consenso acataram o pedido, entendendo que havia legitimidade para justificar a mediação, com a suspensão dos prazos para garantir a negociação.
Essa nova investida não agradou ao ministro Aroldo Cedraz, que já era o relator do processo de entrega da RMO. Sobre a eventual possibilidade de o caso ir ao plenário da corte para uma nova decisão, o TCU informou que se trata de um caso resolvido. Agora, o que resta é fazer um novo leilão.
Não foi a primeira vez que Cedraz se colocou contra os acordos entre União e concessionárias. No fim do ano passado, o ministro do TCU atacou a repactuação com a concessionária MSVia, que administra desde 2014, a BR-163, um trecho de 847 km, entre a divisa de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, até chegar ao Paraná.
A solução consensual de ser “irremediavelmente ilegal, vez que inconciliável não apenas com a letra da lei, mas também com todo o ordenamento jurídico”. Neste caso, porém, o acordo foi aprovado pelo plenário.
Dentro do Ministério dos Transportes, equipes técnicas trabalham na adaptação do edital da Malha Oeste. O governo vai oferecer a Malha Oeste como uma única concessão, em vez de dividir seu traçado em lotes. Os investimentos estruturais previstos para o traçado são da ordem de R$ 18,95 bilhões ao longo dos 30 anos de concessão, mas podem ter alteração conforme novas mudanças.
O edital vai prever a construção de um novo ramal, do zero, de 97 km de extensão, que pretende conectar a Malha Oeste à Malha Paulista (Ferronorte), passando pelas cidades de Três Lagoas (MS), que é um polo industrial de celulose, até Aparecida do Taboado (MS), na divisa com São Paulo.
Outra decisão que terá impacto direto no novo leilão é a construção de um novo eixo de bitola dos trilhos da Malha Oeste. Hoje, a maior parte do traçado é de bitola estreita, ou métrica, de um metro de distância entre os trilhos. O plano é adaptar a malha para a bitola larga, de 1,60 metro. Isso amplia a capacidade de carga e a velocidade, porque permite maior estabilidade e segurança.