Tem empresário que é como maestro: rege tudo, controla cada detalhe, sustenta a orquestra com talento e pulso firme. Mas, em algum momento, o concerto precisa acabar — e ele precisa descer do palco. O problema é quando ninguém avisou que seria assim. Muitos sonham que a empresa será sua aposentadoria, mas esquecem que até negócios envelhecem — e alguns penduram as chuteiras antes do fundador.
Recebi e-mail de um leitor que fundou uma loja de varejo há 40 anos. Viu crescer, viu mudar, investiu tudo o que tinha. Agora, aos 73, as vendas caíram, os filhos não querem tocar o negócio, e vender parece inviável — ninguém valoriza o que ele construiu. Sem reservas, pergunta: como me aposentar?
Essa história não é rara. Muitos empresários apostam tudo no próprio negócio, como se ele fosse a garantia da aposentadoria. Mas empresas são ativos de risco, não planos de previdência. E todo risco, por mais calculado que pareça, precisa de proteção.
O maior erro costuma ser emocional: a paixão. O empreendedor vê a empresa como extensão de si. Acredita que ela é sua melhor aplicação — e, por isso, reinveste tudo, sempre. Acha que pode resolver qualquer problema, ajustar qualquer rota, vencer qualquer crise. Mas aí entra a ilusão do controle. O mundo muda. A concorrência muda. A tecnologia muda. E, quando muda, não pergunta se você está pronto.
Outro erro comum: acreditar que investir em ações é diversificar. Mas o próprio negócio já é uma ação — e das mais concentradas. Colocar o dinheiro na Bolsa não reduz o risco, apenas muda o nome da empresa em que se está exposto. A diversificação real exige o contrário: aplicar parte do patrimônio em ativos conservadores, de renda fixa, que protejam e garantam previsibilidade.
É fundamental também separar o “CPF” do “CNPJ”. Não dá para misturar contas pessoais com o caixa da empresa. Parte dos lucros precisa ser destinada a investimentos fora do negócio, a uma carteira que caminhe paralela ao futuro. Mesmo que pareça menos rentável, é mais segura. Afinal, o empresário precisa, com o tempo, virar investidor.
Há ainda o risco invisível: o jurídico. Processos, dívidas, sócios, passivos. Blindar o patrimônio pessoal com uma holding, contratar seguros e montar uma previdência privada bem estruturada são passos que fazem diferença — e muitas vezes são ignorados.
Planejar a saída é tão importante quanto saber entrar. E, para alguns, o melhor plano pode ser aceitar que o negócio já cumpriu seu papel. Isso significa, sim, considerar vender — mesmo que abaixo do valor que se gostaria. A verdade é que muitos empresários supervalorizam a própria participação, acreditando que sem eles, a empresa vale pouco. Às vezes, isso é verdade. E, justamente por isso, a venda com desconto pode ser a última chance de transformar esforço em capital real.
Se vender não for viável, o passo seguinte é reorganizar a vida financeira com os recursos ainda disponíveis: rever despesas, explorar fontes de renda passiva (como aluguéis ou dividendos), e buscar proteção patrimonial. Também vale considerar uma transição gradual: reduzir a operação, delegar a gestão ou até fechar as portas com controle, antes que o negócio feche por conta própria.
Quem vive de construir precisa aprender a preservar. Transformar capital produtivo em capital rentista. Trocar o crescimento acelerado pela tranquilidade do recebimento previsível. Porque sua empresa pode não sobreviver a tudo. Mas sua liberdade financeira precisa sobreviver a ela. Você é insubstituível. O negócio, não. O maior erro é pensar que pode tocar o show para sempre — quando, na verdade, o mais inteligente é saber a hora certa de sair com os aplausos.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
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