/ May 19, 2025

A necessária reformulação do seguro defeso – 19/05/2025 – Cecilia Machado

Variações atípicas observadas em programas sociais —como no número de beneficiários— servem como primeiro indício de que alguma coisa não está funcionando como deveria.

Um exemplo emblemático vem do seguro desemprego do pescador artesanal, usualmente chamado “seguro defeso”. Ele é um benefício destinado aos pescadores artesanais durante os meses de defeso, quando há proibição da pesca de determinadas espécies. O benefício serve como uma compensação financeira pela impossibilidade do exercício da pesca no período.

Partindo de 824 mil beneficiários em 2022, o programa alcançou 935 mil em 2023 e 1,1 milhão em 2024. Isto é, um aumento de cerca de 35% em apenas dois anos. Em termos de orçamento, passou de aproximadamente R$ 4 bilhões em 2022 para R$ 6 bilhões em 2024.

O que poderia estar por trás de um aumento tão expressivo na concessão do seguro defeso? As pesquisas amostrais revelam que existem cerca de 300 mil pescadores artesanais no Brasil, e que esse número vem se mantendo estável ao longo do tempo. Isso significa que o seguro defeso é pouco focalizado, servindo a cerca de quatro vezes mais o número de pessoas elegíveis a ele.

No cerne da questão está a enorme dificuldade na verificação do efetivo exercício da pesca artesanal pelo requerente do benefício, já que essa é uma atividade de natureza informal, que fica de fora dos registros do Estado, com trabalhadores que operam por conta própria e em escala pequena. Além disso, é um benefício indexado ao salário mínimo, com reajustes que estão se dando acima da inflação por conta da política de valorização do mínimo. É natural que um benefício dessa magnitude, e com critérios pouco verificáveis de acesso, atraia cada vez mais interesse.

Em comparação aos demais programas assistenciais, o seguro defeso é muito mais generoso. As transferências do Bolsa Família, por exemplo, correspondem a cerca da metade do valor pago pelo seguro defeso, em torno de R$ 700. E mesmo em comparação ao BPC, que também está atrelado ao mínimo, há diferenças relevantes nos critérios de acesso. No BPC, o acesso ao benefício é mais objetivo —depende de idade ou de condição de deficiência— ao passo que no seguro defeso a condição de acesso é função do trabalho exercido, passível de escolha.

Sob a perspectiva trabalhista, o seguro defeso dá um peso diferente à situação de informalidade do pescador. Ainda que outros trabalhadores informais possam ter o exercício de suas atividades impedido, por razões distintas —como falta de licenças e autorizações, presença de fiscalizações ou a própria falta de oportunidades—, permanecem sem acesso ao seguro desemprego, que é, por definição, um benefício concedido aos trabalhadores que contribuem para a Previdência. Para os pescadores, basta apenas comprovar o recolhimento da contribuição previdenciária referente à comercialização da sua produção, em qualquer valor.

E, sob a ótica previdenciária, o seguro defeso pode ser pago todo ano, por até cinco meses. Mas trabalhadores demitidos recebem o seguro desemprego em igual período apenas quando comprovam trabalho por 24 meses nos últimos 36 meses.

As regras do seguro defeso fornecem clara vantagem aos pescadores artesanais em comparação às famílias pobres que recebem assistências, aos trabalhadores informais e aos trabalhadores com direito ao seguro desemprego. Pouco adiantará qualquer revisão no processo de concessão desse benefício se ela não for acompanhada por uma reformulação mais substancial do programa, que reconheça e corrija todas as distorções que estão sendo geradas no modelo vigente.


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