A renda com lucros e dividendos voltou a crescer no país e atingiu a marca recorde de quase R$ 1 trilhão em 2023. Desse total, 47% foram recebidos por apenas 160 mil pessoas, que fazem parte do grupo de 0,1% mais ricos do Brasil.
O dinheiro recebido pelos acionistas de empresas é isento do pagamento de imposto. Os dados foram extraídos das declarações de IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) relativos ao ano-base de 2023, entregues no ano passado.
A renda de lucros e dividendos subiu de R$ 870,4 bilhões em 2022 para R$ 999 bilhões, em 2023 —um aumento de R$ 129 bilhões em apenas um ano. Cerca de 5,6 milhões de pessoas declararam receber algum valor de dividendos. Um único cidadão paulista informou ter recebido R$ 5,1 bilhões naquele ano.
Uma nota técnica elaborada pelo pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada) Sérgio Gobetti, obtida pela Folha, aponta que os brasileiros que integram o grupo de 0,1% mais ricos acabaram concentrando 12,5% da renda disponível bruta das famílias em 2023. O aumento foi de 0,47 ponto percentual em relação a 2022, e 3,4 pontos acima do registrado em 2017.
O valor recorde de dividendos inclui na conta o JCP (juro sobre capital próprio), uma forma de distribuição dos lucros usada pelas grandes empresas.
O estudo será publicado pelo Observatório de Política Fiscal do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas) e apresentado na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto de lei que altera a legislação do Imposto de Renda. A comissão faz sua primeira audiência pública nesta terça-feira (20).
O debate atende a um pedido do relator, deputado Arthur Lira (PP-AL). O projeto cria um imposto mínimo de até 10% sobre a renda de milionários para financiar o aumento do limite de isenção do IRPF para quem ganha até R$ 5.000 por mês, a partir de 2026. A proposta prevê também retenção na fonte de 10% sobre os dividendos enviados ao exterior no ano que vem.
“Além de simbólicos, esses resultados de dividendos e do nível de concentração no topo da pirâmide são importantes de serem destacados num momento em que se discute uma reforma do IR que está longe de ter potencial de mudar significativamente esse quadro, mas pode resgatar um mínimo de progressividade tributária no topo da pirâmide social”, diz Gobetti, que é um dos convidados da primeira audiência pública.
Os dados mostram que apenas 244 mil declarantes receberam valores superiores a R$ 610 mil, próximo do limite (R$ 50 mil mensais) a partir do qual haveria a tributação na fonte com alíquota de 10% a partir de 2026.
O economista destaca que tanto a tributação de dividendos na fonte, quanto a proposta de imposto mínimo, atingem essencialmente o grupo de 0,1% mais ricos, embora sua incidência formalmente tenha início para quem ganha R$ 600 mil anuais (ou R$ 50 mil mensais) –considerada a porta de entrada do 0,5% mais rico no Brasil.
De acordo com as estimativas da Receita Federal, mais de 90% da receita do novo imposto sobre milionários, o IRPF-M, seria obtida justamente das pessoas que ganham acima de R$ 1,2 milhão anuais. É nesse patamar de renda no qual a alíquota passa a ser de 10%.
Segundo Gobetti, menos da metade das pessoas que ganham acima de R$ 1,2 milhão anuais efetivamente tende a sofrer cobrança adicional de IRPF em função de estarem pagando abaixo da alíquota mínima de 10%. Ou seja: um parcela significativa dos milionários que fazem parte do 0,1% mais rico estará livre da tributação adicional.
Das 141 mil pessoas que a Receita estima serem atingidas pelo imposto mínimo, cerca de 78 mil ganham acima de R$ 1,2 milhão. O universo total de pessoas que ganham acima de R$ 1,2 milhão, porém, se situa próximo de 190 mil.
Além do aumento significativo no volume de dividendos distribuídos, os dados da Receita mostram um crescimento alto dos rendimentos de aplicações financeiras e de outras rendas tributadas exclusivamente na fonte em decorrência do regime de transição aplicado sobre os fundos offshore (no exterior) e fechados, de investidores de alta renda.
Até 2022, o rendimento desses fundos só era declarado e tributado quando efetivamente transferido para a conta das pessoas físicas, o que mudou a partir de 2023, com a alteração da legislação.
Além da mudança para frente, a legislação previu a tributação do estoque de rendimentos a uma alíquota rebaixada de 8%, desde que os participantes desses fundos aderissem ao regime de transição até o final de 2023.
Com essa medida, o estoque de rendimentos do passado foi declarado em 2024 como se fosse renda obtida em 2023, o que fez com que o volume total de renda de aplicações financeiras pulasse de R$ 133,7 bilhões para R$ 399,7 bilhões anuais.
Desigualdade
A renda do 1% mais rico, que normalmente oscilava entre 20% e 21% na década passada, cresceu para 25,2% em 2021, caiu para 24% em 2022 e voltou a subir para 24,4% em 2023, situando-se num patamar quatro pontos porcentuais superior ao de 2017.
Da mesma forma, a fatia concentrada pelo 0,1% mais rico passou de 9,1% em 2017 para 12,5% em 2023, maior nível da série desde que os dados do IRPF estão disponíveis.
Para o economista do Ipea, embora os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), indiquem uma melhor distribuição da renda do trabalho, sobretudo em 2024, os dados mais precisos do IRPF parecem mostrar que a desigualdade de renda no sentido mais amplo, especialmente quando se calcula a renda dos mais ricos de modo mais acurado, não apresenta sinais de melhora.