A farmacêutica norte-americana Regeneron concordou em adquirir a 23andMe, que está em processo de falência, por US$ 256 milhões (cerca de R$ 1,4 bilhões), encerrando a conturbada trajetória da empresa de testes genéticos como companhia de capital aberto.
A venda ocorre menos de dois meses após a 23andMe pedir proteção judicial contra credores numa última tentativa de encontrar um comprador. O fato de a compradora ser uma farmacêutica pode gerar preocupações entre os 15 milhões de usuários que confiaram seus dados genéticos à plataforma, conhecida por oferecer testes que permitem traçar a ancestralidade familiar.
Depois de atingir um valor de mercado de US$ 5,8 bilhões em 2021, impulsionado por sua abertura de capital por meio de uma SPAC (empresa de propósito específico), o valor das ações da 23andMe desabou. Investidores passaram a duvidar do modelo de negócio, que nunca foi lucrativo, e das garantias sobre privacidade e controle de seu vasto banco de dados genético.
A fundadora e diretora-presidente Anne Wojcicki aceitou abrir mão do controle da empresa como parte do processo de falência, após várias tentativas fracassadas de torná-la novamente privada.
Fundada em 2006, a 23andMe atraiu investimentos de grandes nomes do Vale do Silício, como a Sequoia Capital, e mais tarde recebeu US$ 300 milhões da farmacêutica britânica GSK, em 2018. Esse aporte alimentou preocupações sobre como uma grande empresa do setor poderia utilizar os dados genéticos coletados.
As ações da 23andMe —que foram retiradas da bolsa Nasdaq em março e passaram a ser negociadas em mercado secundário— mais que dobraram de valor na segunda-feira, após o anúncio da venda. Investidores apostam que a operação permitirá uma recuperação significativa de parte dos prejuízos sofridos com a falência.
A Regeneron, conhecida por medicamentos de alto impacto, como o Dupixent (para doenças autoimunes) e o coquetel de anticorpos contra a Covid-19 usado pelo ex-presidente Donald Trump em 2020, afirmou que continuará oferecendo o serviço de testes genéticos ao público.
Com sede em Tarrytown, Nova York, a empresa também garantiu que respeitará as políticas de privacidade da 23andMe sobre o uso de dados pessoais —condição essencial para a aprovação judicial da venda.
Wojcicki sempre teve a ambição de transformar a 23andMe em uma empresa voltada ao desenvolvimento de medicamentos.
A Regeneron informou que irá detalhar o uso pretendido dos dados dos clientes, para revisão de um ombudsman nomeado pelo tribunal e responsável por zelar pela privacidade dos consumidores.
Após o pedido de falência, muitos usuários apagaram seus perfis temendo que seus dados fossem vendidos. Em abril, parlamentares republicanos dos Estados Unidos abriram uma investigação sobre a empresa, com foco em possíveis riscos à segurança nacional e à proteção de dados. Em 2023, a 23andMe também sofreu um grande vazamento de informações, que atingiu cerca de 7 milhões de contas.
Wojcicki —que foi casada com Sergey Brin, cofundador do Google— fundou a 23andMe em 1998, na garagem da casa de sua irmã, em Menlo Park.
Foi Brin quem a apresentou à cientista Linda Avey, que já desenvolvia um projeto de testes genéticos direto para o consumidor. Juntas, elas lançaram a empresa.
O nome 23andMe faz referência aos 23 pares de cromossomos do DNA humano, e seu principal produto era um kit de saliva que permitia aos usuários explorar sua ancestralidade.