Neste mês o IBGE divulgou dados da PNAD Contínua que indicaram a melhoria nas médias de renda per capita da população brasileira nas diversas regiões brasileiras, com destaque para o Norte e Nordeste.
Os dados, no entanto, quando examinados mais detalhadamente, indicam que os aumentos em todos os percentis de renda per capita veio acompanhado da manutenção da desigualdade de distribuição de renda, o que reduz bastante a significação do olhar apenas sobre as médias.
Assim, a massa do rendimento mensal do percentual de pessoas com até 5% da renda nacional permanece variando em 0,5%, enquanto o 1% mais rico da população continua capturando mais de 10% da renda nacional.
Os números ajudam a pensar no significado do conceito de desenvolvimento, hoje entendido quase que unidimensionalmente como crescimento econômico. Nesse ponto, é valido recordar a velha lição de Ignacy Sachs de que crescimento e desenvolvimento não são sinônimos, nem se pode considerar eticamente aceitável que o progresso econômico resulte em exclusão social e pobreza.
O desenho das políticas públicas brasileiras deve superar o economicismo radical. Já são largamente conhecidas as consequências de se confiar unicamente nos mecanismos de mercado como promotores da justiça social.
Nem mesmo se pode continuar estabelecendo uma correlação direta entre o crescimento econômico e a criação de empregos, menos ainda com a distribuição justa dos adicionais de riqueza nacional medidos pelo PIB.
Apesar de tudo, esse parece ser o exemplo seguido, nos últimos cinco anos, no setor de saneamento público com a abertura para o capital privado sob a recorrente narrativa de que os bilhões de investimentos prometidos reverterão em melhoria das condições de vida das populações envolvidas.
A dúvida persistente dessas comunidades está na abordagem unidimensional do desenvolvimento que não discute sustentabilidade ambiental com a preocupação da finitude dos recursos ambientais ante a crise climática que tem a todos afetado, nem preocupa-se com a justiça social aprofundando a concentração de recursos repetidamente capturada pelo IBGE e sentida no cotidiano brasileiro.
A modelagem das microrregiões de saneamento e a construção dos editais de licitação, feitas pelo BNDES, definem-se exclusivamente a partir do arranjo que melhor promova a atratividade de capitais, permitindo a alavancagem de planos de investimentos por meio da capacidade do proponente de se endividar via mercado financeiro.
Isso representa dizer que a construção dos editais, que deveria principalmente abordar questões técnicas das engenharias de saneamento ambiental, não revela dados suficientes para garantir a segurança e a confiabilidade necessárias para que contratos de mais de 30 anos entreguem, de fato, as promessas de melhorias que se propaganda. A alavancagem financeira do setor, promovida por captações bilionárias pela venda de debêntures, adiciona um risco considerável aos contratos.
Por outro lado, a sustentabilidade social dos projetos também não parece ser preocupação do BNDES porque, nas milhares de páginas dos documentos de licitação, nenhuma linha escrita foi endereçada aos trabalhadores do setor. O que será deles e que fim suas famílias terão quando a privatização se concretizar permanece um mistério que nem o BNDES nem os governos estaduais parecem querer solucionar.
A ausência de debate democrático, confirmado por audiências públicas meramente formais, permite desenhar um cenário de perpetuação da desigualdade de renda acrescida da exacerbação dos ônus ambientais e sociais, com impacto mais que proporcional às comunidades que vivem nas zonas rurais brasileiras.
Retomando o debate proposto por Ignacy Sachs às vésperas da Conferência da ONU para o Desenvolvimento Social de 1995, é preciso pensar a eficiência econômica, não sobrestimando os controles macroeconômicos, mas buscando um padrão macrossocial que equilibre o social, o ecológico e o econômico, ponderando-os em termos de sustentabilidade recíproca.