O CEO da Nestlé, Laurent Freixe, afirmou que a estratégia de diversificação adotada por seu antecessor, Mark Schneider —que incluiu investimentos em suplementos alimentares e tratamentos para alergias— “enfraqueceu a estrutura da empresa”. Em entrevista ao Financial Times, Freixe descartou o uso de grandes aquisições ou vendas de ativos como forma de impulsionar o crescimento da companhia.
Veterano da Nestlé há quase 40 anos, Freixe assumiu o comando em agosto do ano passado. Segundo ele, o foco voltado para novas categorias sob a gestão de Schneider acabou negligenciando os pilares do negócio —café, comida para pets e alimentos.
“Se você coloca toda sua ênfase em desenvolver novos espaços… você enfraquece o core [a atividade principal da empresa]. Acho que esse é parte do problema que a Nestlé enfrentou”, afirmou. “Perder participação no core e enfraquecer a estrutura da organização não é uma proposta vencedora.”
Schneider, ex-executivo da área de saúde, foi apenas o segundo CEO externo em quase 160 anos de história da Nestlé. Ele comandou diversas aquisições visando reposicionar o portfólio da companhia para categorias mais saudáveis e de maior margem.
Sua saída ocorreu em meio a um ritmo de crescimento mais lento e atritos com a cultura corporativa tradicionalmente consensual da companhia, conhecida por marcas como KitKat e Nescafé.
Desde que assumiu, Freixe promove uma recenteralização da operação, trazendo líderes regionais de volta à sede da Nestlé em Vevey, às margens do Lago de Genebra.
Com passagens pela Nestlé em países como Hungria, Espanha e mercados da América Latina, ele diz ter uma “visão íntima” do funcionamento da companhia. “Isso, junto com meu estilo —muito próximo das pessoas— é uma grande vantagem”, afirmou.
Enquanto diversas empresas de consumo preveem novos aumentos de preços devido às tarifas dos EUA, Freixe vê outras forças mais relevantes. “A demanda está relativamente fraca, a oferta está voltando e a concorrência é intensa. Isso é, tipicamente, mais deflacionário do que inflacionário”, disse. Ele acrescentou que esses fatores devem superar a pressão de alta nos preços vinda de tarifas ou das mudanças climáticas, que já afetam colheitas de café e cacau.
Com consumidores pressionados, a Nestlé enfrenta queda no volume de vendas e migração para alternativas mais baratas. Em 2023, o crescimento orgânico caiu para 2,2%, ante 7,2% no ano anterior. O lucro líquido da companhia recuou 2,9%, para 10,9 bilhões de francos suíços.
Ao contrário de rivais como Unilever, Reckitt Benckiser e Danone —que têm vendido marcas com desempenho fraco e focado em categorias de maior margem— Freixe afirma que sua prioridade é revitalizar o negócio principal da Nestlé. “Sempre há quem veja a gestão de portfólio como um atalho… mas fusões e aquisições não são a estratégia”, declarou.
Freixe também disse não se convencer pelo argumento de que empresas menores seriam mais ágeis. “Não vejo vantagem na Nestlé ser menor, desde que possamos aproveitar nossa escala e ganhar velocidade.”
Ainda assim, analistas questionam a insistência da Nestlé em manter negócios deficitários, como sua operação de alimentos congelados nos EUA. As vendas da linha de congelados e refrigerados — que inclui DiGiorno e Hot Pockets —caíram 15,5% no ano passado, impactadas pela saída do segmento de refeições congeladas no Canadá.
Apesar da desaceleração de quase uma década nas vendas de alimentos processados e da crescente adesão a hábitos saudáveis, Freixe afirma não haver nada “fundamentalmente errado” com essa categoria. “Existe frequência de consumo… e somos líderes. Isso importa.” Ainda assim, reconhece que o negócio perdeu “relevância e competitividade”, e que a Nestlé está tentando conter os preços.
Freixe indicou que está aberto a se desfazer de marcas que atuam em categorias estruturalmente desfavoráveis e nas quais a Nestlé não tem chance de liderar —como o problemático negócio de água mineral da empresa.
Nesta semana, um relatório do Senado francês revelou que o governo encobriu o uso de tratamentos de filtragem ilegais em produtos vendidos como “água mineral natural” pela Nestlé. A empresa respondeu que todas as suas águas são seguras para consumo e que o episódio demonstra a necessidade de regulamentações mais claras. Segundo Freixe, a Nestlé busca um investidor para formar uma joint venture e reestruturar o segmento.
Em novembro, Freixe reduziu a meta de margem operacional da Nestlé para “pelo menos 17%”, abaixo da faixa de 17,5% a 18,5% estipulada por Schneider, e lançou um plano de corte de custos de US$ 2,8 bilhões. “É um momento em que precisamos de realismo, não de sonhos”, disse, em alusão ao consumo fraco e à política tarifária imprevisível do presidente Donald Trump.
Freixe também rebate a tese de que o avanço dos medicamentos para perda de peso com GLP-1 —como Ozempic e Wegovy— esteja prejudicando as vendas da empresa. Um estudo da Universidade Cornell mostrou que usuários dessas drogas reduziram, em média, 6% dos gastos com supermercado. Mas, segundo Freixe, esse impacto ainda não foi sentido na Nestlé, cujo portfólio é concentrado em café e alimentos para pets.
Ele acrescentou que novos produtos voltados ao público usuário de GLP-1, como refeições prontas com alto teor proteico, estão tendo “vendas promissoras”.
Uma possível dor de cabeça no horizonte, porém, vem da nomeação de Robert F. Kennedy como secretário de Saúde dos EUA. Kennedy tem defendido políticas de combate aos alimentos ultraprocessados e de redução no consumo de açúcar entre os americanos —o que pode afetar negócios que respondem por 15% das vendas globais da Nestlé, como doces e refeições prontas.
Ainda assim, Freixe afirma que a empresa está “muito alinhada” com a missão de Kennedy. “Qualidade dos alimentos, densidade nutricional, promoção da agricultura regenerativa —essa é a nossa agenda.”