Diante da incerteza econômica e política nos Estados Unidos, empresas do Canadá e da União Europeia já se reaproximam da China.
Essa é a movimentação vista por Nick Allan, presidente da consultoria de risco Control Risks, que tem clientes no mundo todo. Além disso, a guerra tarifária do governo Trump também acelerou negociações de acordos comerciais.
Allan acredita que o cenário de instabilidade traz oportunidades para países como o Brasil. “O prêmio de risco visto pelas empresas aumentou nos Estados Unidos e no bloco comercial que inclui Canadá e México, o que torna outros países mais interessantes. Isso vale para o Brasil”, disse Allan, que está em São Paulo para reuniões com clientes.
Investidores comemoraram o acordo entre Estados Unidos e China que estabeleceu uma pausa na alta das tarifas. Há motivo para celebrar?
Acho que a comemoração foi prematura, porque a incerteza ainda não desapareceu. Houve alívio, sem dúvida, com a desaceleração das tensões entre os EUA e a China. Os primeiros comentários do presidente Trump falavam de chegar a tarifas de 80%, mas no fim os EUA ficaram em 30% e a China em 10% de tarifas. Essa desescalada foi bem recebida pelos mercados. Mas, da última vez que China e EUA tentaram fechar um acordo comercial, negociaram por três anos e não conseguiram implementá-lo.
As questões fundamentais se mantêm: segurança nacional e soberania. Quando começarem a discutir barreiras não tarifárias —restrições a investimentos por motivos de segurança— vai ser muito difícil. Trabalhamos com clientes no mundo todo, e essa instabilidade e falta de um marco regulatório dificultam o planejamento.
No momento, empresas americanas estão voltando a fazer encomendas à China, especialmente no setor de brinquedos, por causa do Natal. Estão apostando que as tarifas não passarão de 30%. Mas a incerteza permanece —e países que lidam com os EUA (ou seja, praticamente todos) estão em compasso de espera.
Qual o papel do Brics nesse cenário?
Brics é uma construção meio estranha, se você olhar os países que fazem parte —eles têm interesses bem diferentes. Os russos gostariam que o Brics fosse uma frente unificada contra os EUA. Mas isso não vai acontecer, porque não interessa a muitos dos membros. A China quer criar estruturas alternativas de cooperação, opções aos sistemas criados pelos EUA, que agora estão sendo desmantelados.
Faz sentido para a China expandir o grupo para incluir mais vozes com interesses comuns em comércio e uma posição de não alinhamento. A política externa dos EUA tenta isolar a China. Uma das metas em relação à guerra Rússia-Ucrânia é distanciar a Rússia da China.
Quais são os principais desafios geopolíticos do mundo neste ano?
O principal fator de incerteza geopolítica é a política externa e comercial dos EUA, que dificulta o planejamento de empresas e governos.
Em segundo lugar, temos pontos de tensão: o conflito Rússia-Ucrânia pode desacelerar, há pressão por cessar-fogo, mas é difícil resolver. Em geral, vemos mais guerras entre Estados do que há décadas. Os gastos militares aumentaram. O risco de conflito é alto.
Terceiro: cibersegurança. Ataques a infraestrutura crítica aumentaram. No conflito Ucrânia-Rússia, os ataques cibernéticos ainda estão contidos, mas é fácil imaginar isso se expandindo. Tem sido interessante observar os problemas que afetaram algumas infraestruturas de energia e de controle de fronteiras na Europa recentemente. O desafio com ataques cibernéticos sofisticados é que você não tem certeza do que aconteceu. Tivemos, no Reino Unido, várias centrais elétricas que estranhamente saíram do ar —o aeroporto de Heathrow e outra perto da estação Paddington, em Londres. Tudo isso, nos foi garantido, são apenas coincidências infelizes. Mas de quantas coincidências você precisa? Não quero soar como um teórico da conspiração, mas tem havido uma sequência constante.
Vocês têm clientes no mundo todo. Há uma tendência de empresas internacionais tentarem se distanciar dos EUA, seja por questões de entrada no país ou incertezas com tarifas?
As preocupações com imigração provavelmente são exageradas. As empresas estão preocupadas e perguntando sobre isso. Mas o número de problemas que as pessoas tiveram ao entrar nos EUA, é uma porcentagem muito, muito pequena.
Sobre tendências, não tenho certeza se é uma ainda, mas temos visto um maior interesse de empresas canadenses e europeias em se reaproximar da China, o que é interessante. Não sei se é uma tendência, mas já estamos vendo isso acontecer. Acordos comerciais têm sido negociados mais rapidamente —do Reino Unido e a Índia, UE e a Índia. Vemos as empresas procurando novas oportunidades. Em algumas delas, as tarifas tornam seus produtos, como alumínio e aço, menos competitivos, então elas estão buscando novos mercados.
Na área financeira, a força dos EUA ainda é absolutamente crítica e muitas empresas internacionais têm grandes investimentos lá. O que muda é o sentimento, a visão de que há muita incerteza sobre os rumos da regulamentação americana. Algumas medidas de desregulamentação podem ser populares, mas, para quem exporta ou importa produtos, a questão tarifária é um grande desafio. Vimos muito investimento no Vietnã que vai ficar paralisado até que isso se resolva. O mundo está começando a mudar, mas seria exagero dizer que está se afastando dos EUA.
Há movimentação de algumas empresas, elas estão se preparando?
Sim, elas precisam se preparar. O presidente Daniel Noboa, do Equador, esteve em Londres há duas semanas, e ele também visitou Jerusalém, Abu Dhabi e Dubai. Foi interessante a recepção que ele teve. O Equador tem enfrentado muitos desafios de segurança recentemente, mas tem um grande programa de investimento em infraestrutura.
O prêmio de risco visto pelas empresas aumentou nos Estados Unidos e no bloco comercial que inclui Canadá e México, isso torna outros países mais interessantes, comparativamente. Isso vale para o Brasil. No médio a longo prazo, muitas empresas estão olhando para o Brasil e pensando que aí há uma aposta a se fazer. Ainda não ouvimos isso em relação à Argentina.
Há áreas ou setores específicos que você acha que estão mais predispostos a diversificar parceiros ou mercados por causa da incerteza nos EUA?
Para empresas que fabricam produtos e querem exportar para os EUA, a localização passa a ser muito importante. Já vimos esse deslocamento de produção da China. O exemplo sempre citado é o da Apple indo para Tamil Nadu, na Índia, embora isso represente apenas cerca de 10% da produção de iPhones. Já vemos isso há um tempo. O que está acontecendo agora vai acelerar esse movimento. O mercado consumidor dos EUA é tão forte que as empresas vão procurar caminhos.
Alguém com quem conversei aqui em São Paulo se perguntava se a manufatura brasileira pode se tornar mais atraente como região exportadora para os EUA. Acho que ainda não chegamos lá, porque para estruturar isso seria um investimento de dois a três anos. E até que as empresas tenham noção de onde as coisas vão se estabilizar, elas não farão isso.
Em relação ao Brasil, quais são suas principais preocupações neste momento?
Acho que há alguns desafios na economia brasileira com relação a juros e inflação. E muitas atenções estarão voltadas para a eleição do próximo ano. Parece claro que o presidente Lula pretende concorrer à reeleição. Dependendo de quem for o principal candidato da oposição, isso vai impactar o sentimento do mercado.
O fato de o Brasil ter passado por uma transição presidencial bem-sucedida —embora com turbulências— passa muita confiança. A transição entre Bolsonaro e Lula mostrou a força das instituições brasileiras e da Constituição. O fato de que as políticas macroeconômicas adotadas por este governo têm sido em sua maioria ortodoxas também transmite confiança. Falo com muitos clientes na Europa, e eles veem o Brasil como um investimento de longo prazo por causa dos fundamentos.
Raio-X – Nick Allan
É CEO da Control Risks desde 2019. Antes disso, liderou as operações na Europa, África e Ásia-Pacífico. Participou da criação da divisão de cibersegurança da empresa e na sua expansão internacional. Formado em Política pela Universidade de Bristol, tem MBA pela Imperial College London e fala espanhol fluentemente e português intermediário.