Amigos fazem piada de Aloizio Mercadante dizendo que ele até passou a sorrir após a mudança para o Rio de Janeiro, onde fica a sede do BNDES, banco que ele preside. A brincadeira não faz referência somente aos prazeres de morar na Cidade Maravilhosa. Mercadante, afirmam, achou um bom propósito no comando do maior banco de fomento da América Latina.
Com os juros exorbitantes e a indústria em frangalhos, coube a ele criar mecanismos que permitissem capitalizar o banco, como a criação das Letras de Crédito de Desenvolvimento, para liberar empréstimos que permitam reindustrializar o país. Segundo Mercadante, o BNDES já aprovou mais de R$ 205 bilhões de crédito na Nova Indústria Brasil, cerca de 80% da meta definida até o fim de 2026.
No primeiro trimestre deste ano, a indústria e o agronegócio empataram em termos de pedidos de financiamento e de aprovações. Em anos anteriores não foi assim. O que mudou?
Um conjunto de políticas do governo Lula permitiram o crescimento do PIB de 3,2%, em 2023, e de 3,4%, em 2024, superando as projeções e expectativas do mercado financeiro. O BNDES já aprovou mais de R$ 205 bilhões de crédito na Nova Indústria Brasil, cerca de 80% da meta definida até o fim de 2026 para o programa.
Esse avanço só foi possível porque implementamos novos instrumentos, como o financiamento para inovação via TR [Taxa Referencial], com aprovação pelo Congresso, para quem precisa correr o risco e avançar em tecnologia, e o Novo Fundo Clima, com recursos para a descarbonização.
Também ampliamos mercados para a exportação, aumentamos a produtividade investindo em máquinas e equipamentos e expandimos o crédito para o agronegócio, a infraestrutura, micro, pequenas e médias empresas, cooperativas e o setor de comércio e serviços.
Isso virou emprego?
Dos 2,3 milhões de empregos criados pela atuação do BNDES, em 2023, 35% foram na indústria. Além disso, o Brasil subiu para a 25ª posição do ranking da indústria da transformação no mundo em 2024. No ano anterior, estávamos no 45º lugar.
A NIB permite uso de TR em financiamentos. Quais ramos da indústria passaram a se modernizar para ter acesso a esses juros subsidiados e que resultados proporcionou?
Por meio da NIB, as empresas nacionais estão investindo em tecnologias disruptivas. O carro voador da Embraer, por exemplo, já recebeu mais de R$ 700 milhões em financiamento para a construção da fábrica em Taubaté [SP] e para o desenvolvimento do protótipo, garantindo emprego e exportação a partir do Brasil. Temos o plano de inovação com inteligência artificial e transformação digital da Positivo e o desenvolvimento e produção de bancos de vírus e de células para produtos biológicos do Butantan, outros exemplos.
A NIB apoia vários setores da indústria brasileira, como o da saúde, que bateu recorde no financiamento para novos medicamentos, vacinas e insumos farmacêuticos. Nos últimos dois anos, foram R$ 6,9 bilhões, valor superior aos seis anos anteriores ao governo Lula, para o desenvolvimento de 556 medicamentos ou vacinas e nove dispositivos médicos.
Há casos de empresas que incluíram itens de mais valor agregado em suas exportações ou vendas internas após aderirem à NIB?
O BNDES também ampliou as aprovações de crédito para exportações de empresas brasileiras. De janeiro de 2023 e abril deste ano, foram R$ 37 bilhões, valor superior à soma dos sete anos das gestões anteriores. Juntos, BNDES, Finep e Embrapii, em dois anos, já apoiaram mais de R$ 47 bilhões de reais em inovação para o setor empresarial, mais que os seis anos anteriores ao governo atual.
Com a Selic elevada, o banco perde espaço com grandes empresas, que precisam se financiar fora da NIB?
Os resultados do BNDES no primeiro trimestre deste ano mostram aumento de 35% nas aprovações de crédito em comparação com 2024. A instituição tem ampliado o apoio aos projetos das empresas brasileiras. O banco tem procurado fazer, em muitos casos, um blend [mistura] entre taxas de mercado com Fundo Clima e com TR para inovação, contribuindo para manter o apoio aos investimentos das empresas. Mas é evidente que as taxas de juros elevadas impactam negativamente e continuam sendo um desafio.
Usam mais TR ou mais taxas de mercado?
Ao contrário do que é propagado por alguns stalkers [perseguidores], cerca de 68% do nosso desembolso, em 2024, foi realizado com taxas de mercado. Além disso, BNDES respondeu por apenas 1,4% do total de novas concessões de crédito do Sistema Financeiro Nacional. Portanto, não há que se falar que o BNDES afeta a potência da política monetária.
A TLP [taxa de mercado] está em um valor muito elevado. Há um cenário bastante desafiador para a dinâmica da atividade econômica e para o financiamento do investimento industrial. É evidente que o movimento atual dos juros tem influência sobre a demanda de recursos. Mas, mesmo neste cenário, o resultado do BNDES tem sido fundamental para nossa reindustrialização.
As LCDs fizeram sua estreia no ano passado quase atingindo o limite de R$ 10 bilhões em poucos meses. Por que, neste ano, a média mensal está um pouco menor?
O BNDES fez até o momento duas emissões estratégicas de LCD [Letras de Crédito de Desenvolvimento] e elas foram bem-sucedidas. Em dezembro de 2024, captamos mais de R$ 9 bilhões, e, no primeiro trimestre de 2025, mais R$ 4,4 bilhões. Esse novo instrumento é fundamental para diversificar e ampliar o funding [fontes de captação de recursos] do banco, especialmente em razão da ameaça à sustentabilidade do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] desde a aprovação da reforma da Previdência, no governo anterior.
A transição energética colocou o Brasil como grande player potencial. O que falta para que a promessa vire realidade?
Não é promessa. É realidade. O país líder em energia limpa é também um dos líderes globais em biocombustíveis, com recorde na produção de etanol e biodiesel, que alcançou, no governo do presidente Lula, mais de 43 bilhões de litros em 2023. Neste governo, o apoio do BNDES também é recorde, com R$ 7,7 bilhões aprovados, valor superior aos oito anos anteriores.
Em paralelo, também apoiamos projetos de combustível sustentável para aviação e navegação. No caso dos motores híbridos (elétrico e etanol), segmento em que o país também será líder, já estamos apoiando a Volkswagen e a Stellantis, que desenvolvem essas tecnologias no Brasil.
A guerra tarifária afeta diversos ramos da indústria e há críticas em relação à Camex, que estaria resistindo a impor sanções antidumping. Considera que essas críticas são justas?
O vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin tem um papel de liderança nessa agenda ao conduzir as negociações de forma competente. Está claro, na conjuntura atual, que a ampla maioria dos países tem retomado medidas de política industrial e defesa das suas indústrias, bem diferente do que os neoliberais pregaram nas últimas décadas. E o governo tem tomado medidas, com a precaução necessária, e analisado todos os impactos.
O Paraguai avançou demasiadamente atraindo empresas, inclusive brasileiras. Deveríamos ser tão agressivos como eles?
O Paraguai está fazendo o que o presidente Lula já faz pelo Brasil. O BNDES busca atrair empresas em segmentos estratégicos e com foco na economia do futuro, como a transformação de minerais. Lançamos edital de R$ 5 bilhões e recebemos projetos que ultrapassam os R$ 85 bilhões em investimentos.
Outro segmento é o de combustível sustentável para aviação e navegação. Nosso edital de R$ 6 bilhões atraiu projetos que somam R$ 160 bilhões. Ainda temos um edital aberto para atração de centros de P&D no Brasil, com alta procura.
Neste ano, a Bosch, multinacional alemã, instalou seu centro de P&D em agroindústria no Brasil graças ao apoio do BNDES.
De que forma o acordo Mercosul-UE pode ajudar a indústria?
A transição para uma economia verde abre caminhos para que a indústria nacional alcance mais mercados na União Europeia. Podemos avançar com motores híbridos, bioinsumos e uma agricultura mais tecnológica e, por isso, mais sustentável.
RAIO-X
1954, Santos (SP) —Economista e político, é um dos mais importantes nomes do PT, partido do qual é um dos fundadores. No governo da ex-presidente Dilma Rousseff, ele foi ministro da Educação; da Ciência e Tecnologia; e da Casa Civil. Vice-presidente do partido, foi deputado federal e senador (2003-2011).