Não falta arrecadação. Desde o início do governo, a arrecadação tem batido recordes. Ainda assim, seguimos discutindo como arrecadar mais, o que pode ser tributado sem gerar novos desgastes. O déficit permanece. A conta não fecha, e o problema não está na calculadora. Está na demora do governo em encarar de frente o gasto público.
O episódio desta semana do IOF é emblemático. No início da tarde da última quinta-feira (22), os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet anunciaram o congelamento de cerca de R$ 31 bilhões em despesas do Orçamento de 2025 e um aumento considerável do IOF, como tentativa de cumprir a meta fiscal prometida. A reação foi imediata e negativa: o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, não foi previamente informado, e o setor privado reagiu com duras críticas.
No fim da noite, diante da repercussão negativa, o governo precisou recuar parcialmente da medida, cancelando a elevação da alíquota sobre investimentos no exterior, ainda que tenha mantido o aumento do tributo em outras operações, como empréstimos empresariais e compras internacionais.
O governo entrou em seu terceiro ano sem um planejamento fiscal claro, apostando excessivamente em aumentar receitas sem enfrentar seriamente as despesas. Essa estratégia tem limites evidentes.
A resistência social a qualquer novo imposto é crescente, e a incoerência da política fiscal fica cada vez mais exposta. Não basta sinalizar responsabilidade apenas quando as metas fiscais já estão comprometidas.
O economista Olivier Blanchard, em recente artigo, chama atenção para o papel das expectativas na condução da política econômica. Segundo ele, um dos avanços mais importantes da macroeconomia nas últimas décadas foi entender como as expectativas afetam as decisões dos agentes econômicos.
Para que uma política fiscal seja eficaz, não basta apenas anunciar metas; é preciso sinalizar coerência e previsibilidade. Se o governo transmite sinais contraditórios, improvisando medidas, recuando e avançando constantemente, a confiança se deteriora rapidamente.
O resultado aparece nas taxas de juros mais altas, inflação persistente e menos crescimento econômico.
Responsabilidade fiscal importa justamente por isso. Não é só um princípio contábil, mas o que garante que políticas públicas possam ter resultados reais. Quando a dívida pública cresce demais e o déficit persiste, pressiona a inflação, reduzindo diretamente o poder de compra das famílias.
A consequência prática é que não há reajuste do salário mínimo ou Bolsa Família capaz de compensar integralmente essa erosão. A instabilidade fiscal, ao contrário do que pode parecer, penaliza mais os que dependem do Estado e das políticas sociais.
A consequência dessa demora em agir e da hesitação na execução das medidas fiscais é a deterioração da confiança pública. Agora, cada proposta tributária nova é recebida com resistência e desconfiança. O IOF virou alvo de críticas e memes antes mesmo de ser implementado.
A tentativa de fiscalização mais rigorosa sobre empreendedores informais causou alarme e revolta. A tributação das importações virou sinônimo de protecionismo, justamente num governo que condena políticas similares no exterior.
É urgente que o governo reconheça que o ajuste fiscal passa necessariamente por revisar o gasto antes de buscar novas receitas. A questão nunca foi falta de dinheiro entrando, mas a resistência política a abrir mão de privilégios e programas ineficientes. Enquanto isso não for enfrentado, qualquer esforço fiscal continuará sendo apenas improviso. E, como o país já sabe há tempos, o improviso não fecha contas, só aprofunda o buraco que todos nós, no final, somos chamados a cobrir.