A gigantesca máquina logística da China funcionava a todo vapor em fileiras de armazéns perto de Ho Chi Minh, no sul do Vietnã, neste mês. Centenas de trabalhadores embalavam cosméticos, roupas e calçados para a varejista Shein. Do lado de fora, candidatos eram entrevistados para centenas de vagas.
Em outro parque industrial, de propriedade do braço de cadeia de suprimentos da Alibaba, caminhões entravam e saíam em ritmo constante.
Esse tipo de atividade, impulsionada pelas gigantes chinesas, trouxe empregos para o Vietnã. É uma das forças que transformaram o país em um próspero destino para empresas de todo o mundo que buscam alternativas às fábricas chinesas.
Mas à medida que a guerra comercial do presidente dos EUA, Donald Trump, sacudiu as cadeias de suprimentos, a importância da China desponta como o maior obstáculo para o Vietnã enquanto tenta evitar uma tarifa de 46%.
Autoridades vietnamitas correm para garantir um acordo antes que uma pausa de 90 dias nas novas tarifas termine no início de julho. Eles se reuniram com funcionários do governo dos EUA em Washington, na semana passada, para uma segunda rodada de conversas. As negociações serão retomadas no próximo mês, disseram os oficiais asiáticos.
A administração Trump quer que o Vietnã fortaleça a repressão a empresas que redirecionam mercadorias da China para o Vietnã para evitar tarifas, uma prática conhecida como transbordo.
Mas a administração adotou uma visão da questão que vai além da definição usual de transbordo, enquanto tenta afastar a economia dos EUA de sua dependência das importações chinesas. Isso coloca países que dependem da China para fabricar bens que exportam sob forte pressão.
Para o Vietnã, o desafio é provar que os produtos que envia para os Estados Unidos foram fabricados no país e não na China. Recentemente, Peter Navarro, um dos principais conselheiros comerciais de Trump, chamou o Vietnã de “uma colônia da China”.
O Vietnã foi um grande beneficiário das tarifas que Trump impôs sobre produtos chineses durante sua primeira gestão na presidência. Seu superávit comercial com os Estados Unidos aumentou para US$ 123,5 bilhões em 2024. Sete anos antes, era de US$ 38,3 bilhões.
A reordenação dos fluxos comerciais acelerou em abril, quando a China enfrentava tarifas de 145%, as importações vietnamitas da China dispararam para US$ 15 bilhões, enquanto suas exportações para os Estados Unidos totalizaram US$ 12 bilhões. Há duas semanas, os governos chinês e norte-americano chegaram a um acordo temporário para reduzir as tarifas.
“A prioridade para Trump é que o Vietnã resolva o problema de transbordo e garanta que os dois países possam assinar algo que mostre que o Vietnã está tomando medidas”, afirmou Adam Sitkoff, diretor executivo da Câmara dos EUA de Comércio em Hanói.
Em resposta, o Vietnã criou uma força-tarefa especial este mês para “combater agressivamente o contrabando, a fraude comercial e a exportação de mercadorias falsamente rotuladas como ‘Made in Vietnam'”. Já o ministério das Finanças se reuniu com a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA para falar sobre o trabalho conjunto e compartilhamento de informações.
Apesar dos esforços, funcionários de Trump disseram que não é suficiente. “Tornou-se muito difícil para o Vietnã justificar ao governo dos EUA que isso não é apenas redirecionamento de mercadorias chinesas”, comentou Priyanka Kishore, economista e fundadora da consultoria Asia Decoded.
O Vietnã e outros países asiáticos dependem da China para os suprimentos usados na fabricação de produtos acabados. Assim, à medida que a produção se desloca das fábricas na China para outros lugares, grande parte do aumento das exportações da China para seus vizinhos pode ser de matérias-primas utilizadas pelas indústrias.
Ainda assim, algumas importações vietnamitas da China são inegavelmente produtos acabados enviados através do Vietnã para outros destinos com sua origem na China disfarçada, o que é universalmente considerado ilegal.
Há poucos dados sobre exatamente quanto se enquadra na categoria de transbordo, disse Kishore. A estimativa é que a atividade de redirecionamento aumentou para 16,5% das exportações para os Estados Unidos após as tarifas do primeiro mandato de Trump sobre a China, impulsionada em parte por empresas de propriedade chinesa.
As tarifas proibitivamente altas sobre produtos chineses no mês passado fizeram com que mais empresas buscassem opções no Vietnã. Depois que Trump encerrou uma brecha que permitia aos norte-americanos comprar produtos baratos da China sem impostos, a Shein ofereceu orientação e subsídios para fábricas transferirem operações para o Vietnã. A Shein não respondeu a um pedido de comentário.
Grande parte dessa atividade tem sido o movimento legítimo da cadeia de suprimentos, à medida que as empresas transferem sua produção da China para países onde as tarifas são mais baixas.
Mas a administração Trump realiza um patrulhamento maior. “A China usa o Vietnã para transbordar e evadir as tarifas”, disparou Navarro. O objetivo é colocar uma barreira em torno das exportações da China.
“Os Estados Unidos parecem estar argumentando que qualquer coisa que venha da China é por padrão transbordo, então você mancha e desacredita cada produto que vem da China”, avaliou Deborah Elms, chefe de política comercial da Fundação Hinrich, uma organização que se concentra no comércio.
Para a indústria têxtil e de vestuário do Vietnã, tirar a China da equação seria extremamente problemático. As fábricas importam cerca de 60% dos tecidos que usam da China, de acordo com Tran Nhu Tung, vice-presidente da Associação Têxtil e de Vestuário do Vietnã.
“Sem a China, não podemos fazer produtos. O Vietnã não teria material para produzir os produtos acabados. E sem os EUA, o Vietnã não pode exportar os produtos acabados. Então, o governo vietnamita precisa encontrar um equilíbrio entre a China e os EUA, e é muito difícil para eles fazer isso”, analisou Tung.
Para tentar se aproximar de um acordo com a administração Trump, o Vietnã ofereceu aumentar sua compra de produtos dos EUA, como produtos agrícolas e aviões da Boeing, e reduzir o envio de produtos chineses para os Estados Unidos.
Mas o fluxo de investimentos e contratações por empresas chinesas continua a complicar as coisas.