Um livro patrocinado pelo comitê que reúne os secretários estaduais de Fazenda ataca o que chama de mito de que a carga tributária brasileira é elevada e traz novas formas de medir esse indicador, as quais tiram o país da lista dos que mais tributam.
Os responsáveis pelo estudo também dizem que impostos elevados não atrapalham necessariamente a atividade econômica. Podem até ajudar no desenvolvimento do país, se a tributação estiver mais concentrada na renda e no patrimônio do que no consumo. Eles propõem ainda uma nova denominação para esse indicador: “nível de solidariedade fiscal”.
O Brasil tem uma arrecadação tributária que corresponde a cerca de 33% do PIB (Produto Interno Bruto), valor próximo ao das economias desenvolvidas que fazem parte da OCDE.
O mesmo montante representa uma receita per capita de US$ 4.726 (cerca de R$ 27 mil/ano), menos de 30% do que é arrecadado por essas mesmas economias, o que explicaria por que aqui o retorno para a sociedade é menor do que o verificado em países europeus, segundo os autores de “Solidariedade Fiscal: Desmistificando o Nível de Tributação e seu Impacto no Crescimento Econômico”.
O trabalho foi escrito pelos pesquisadores Pedro de Carvalho Junior, Claudia de Cesare e Alexandre Cialdini, com apoio do Comsefaz (comitê dos secretários de Fazenda dos estados e do Distrito Federal).
“O Brasil faz parte de um conjunto de países que têm menos recursos. Com essa arrecadação, temos tido um desempenho heroico, considerando o sistema de saúde e as universidades públicas que temos”, afirma André Horta, diretor institucional do Comsefaz, que assina o prefácio da obra.
Questionado sobre o motivo de os brasileiros avaliarem que pagam muitos impostos e recebem pouco retorno em termos de serviços públicos, ele destaca a baixa arrecadação per capita na comparação internacional. Afirma também que os tributos sobre consumo representam 44% da receita tributária de União, estados e municípios —acima da média de 33% da OCDE—, o que gera uma carga elevada sobre os mais pobres e a classe média. Os impostos sobre a renda, por outro lado, não alcançam aqueles que poderiam contribuir mais.
“Como a maior parte da riqueza não está participando do esforço, do dever que todos têm, como a Constituição não está sendo cumprida nos requisitos da capacidade contributiva, você tem uma arrecadação deficiente e não tem os serviços com a extensão que a sociedade merece”, afirma o diretor.
Ele diz que o grupo não está propondo um aumento de arrecadação, mas que o livro mostra que medidas como a tributação de lucros e dividendos podem gerar mais receitas e reduzir desigualdades, sem prejudicar o crescimento do país.
O trabalho aponta que, em 2019, o Brasil apresentava a 53ª arrecadação per capita (US$ 4.726) em um grupo de 124 países, considerando valores convertidos para dólares no conceito de paridade de poder de compra. Isso representava 28% da arrecadação tributária média per capita dos países de alta renda analisados. Pelo conceito utilizado usualmente para medir a carga, o Brasil ocupava a 30ª posição.
A pesquisadora Claudia de Cesare afirma que a tributação na Nova Zelândia, por exemplo, é praticamente a mesma do Brasil na comparação com o PIB, mas representa o triplo da brasileira em relação à receita per capita. “Não temos a mesma condição de fazer investimentos públicos que a Nova Zelândia porque a nossa arrecadação per capita é muito baixa”, afirma.
O livro cita o fato de o Brasil ter uma das maiores cargas tributárias da América Latina. Mas aponta que países como Argentina, Uruguai e Chile têm arrecadação per capita superior à nossa e gastos com seguridade inferiores.
Os pesquisadores afirmam também que não foi verificada relação estatisticamente significativa entre carga tributária e desempenho econômico. Na Europa, por exemplo, uma tributação elevada não impediu o desenvolvimento. Países do Sudeste Asiático, por outro lado, possuem carga baixa e tiveram forte crescimento nas últimas décadas. “A arrecadação [em relação ao PIB] não justifica o nosso desempenho medíocre em termos de crescimento econômico”, afirma a pesquisadora.
Há ainda capítulos dedicados à questão do gasto público e do impacto da tributação na redução de desigualdades.
Pedro de Carvalho Junior, outro autor do livro, afirma que haveria espaço para um aumento da arrecadação no Brasil entre 10% e 15%, focado no Imposto de Renda das pessoas com renda mensal superior a R$ 50 mil, por exemplo, o que teria impacto positivo no índice de Gini. Ele cita que os países mais desenvolvidos têm uma arrecadação de 8,4% do PIB em relação a esse tributo na pessoa física, enquanto a brasileira foi 3%. “Seria uma política perfeitamente viável e sem impactos significativos na atividade econômica”, afirma.
O livro propõe ainda outra forma de calcular a carga: dividir a arrecadação sobre o que os autores chamam de “PIB real”, definido por eles como a soma do PIB oficial do IBGE com o PIB da economia informal, estimada em 35% dos bens e serviços produzidos, segundo o relatório Informal Economy Database, do Banco Mundial. Ao somar as duas coisas, o tamanho da economia cresce, e a carga cai para 24% na média de 2000 a 2018.
Um especialista em Contas Nacionais que já trabalhou no IBGE aponta um equívoco nesse número, pois a chamada economia informal já está contida no cálculo oficial do PIB. Ele contesta também o dado do Banco Mundial, pois o próprio instituto calculou essas atividades em cerca de 10% do PIB em 2021 —seriam 15% na média de 1995 a 2000. Um trabalho publicado em 2014 por Roberto Olinto Ramos e João Hallak, ambos do IBGE na época, também estima uma informalidade próxima a esse patamar e que já está computada no dado oficial do instituto.
Questionados pela Folha, os pesquisadores afirmam que, embora o PIB calculado pelo IBGE já estime a contribuição do setor informal para a economia, essa participação pode estar subestimada e é razoável supor que a parcela não computada seja maior no Brasil do que em países de alta renda.
A despeito dessa questão, a obra tem seu mérito por mostrar que os problemas do sistema tributário nacional vão além do tamanho da carga tributária (de fato elevada).