A medida mais recente do governo federal de cobrança do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) eleva a carga tributária de forma imediata, atropelando os procedimentos constitucionais. Repete-se a reação do Executivo ao fim da CPMF, como também no caso do imposto de exportação sobre o petróleo.
Em tempos de pressão fiscal, tornou-se corriqueiro que governos recorram a expedientes criativos para aumentar a arrecadação sem enfrentar o processo legislativo. No Brasil, um dos atalhos que se tem visto é o uso de tributos destinados a temas regulatórios, estimular ou restringir condutas específicas (“extrafiscais”) para obter receita.
O exemplo mais recente dessa prática ocorreu com o decreto n.º 12.466/2025, que promoveu um aumento relevante das alíquotas do IOF sobre operações de crédito, câmbio e seguros, com efeitos imediatos.
O IOF é um tributo com impactos negativos sobre a economia e deveria estar sendo reduzido, inclusive, para se adequar às boas práticas internacionais, como o acordo com a OCDE.
Trata-se de um tributo regulatório, com regime jurídico que permite ao Executivo intervir rapidamente no mercado, sem respeitar os protocolos típicos dos demais tributos. Por essa razão, a Constituição autoriza que suas alíquotas sejam alteradas por decreto e isenta o tributo da chamada anterioridade anual e/ou nonagesimal.
O nosso regime legal, como em outros países, estabelece ritos legislativos para aumento de tributos. A mudança da regra tem que ser proposta ao Congresso, que deve avaliá-la. Caso aprovadas, as novas alíquotas serão implementadas apenas depois de um certo período.
O aumento do IOF não para regular, mas sim para aumentar receita diante de uma necessidade orçamentária, é um desvio de finalidade constitucional. O decreto mais recente é claro nesse ponto: ele eleva alíquotas do IOF para que a União ganhe um reforço imediato de caixa —sem discussão legislativa, sem nova lei, e sem prazo para adaptação.
Esse uso oportunista do IOF não é inédito. Em 2008, após o Congresso ter rejeitado a prorrogação da CPMF, o Executivo editou um decreto elevando a alíquota do IOF para 0,38%, exatamente o mesmo percentual que era cobrado pela contribuição extinta.
Na prática, tratava-se de um substituto informal para a contribuição, adotado de modo a atropelar o processo legislativo e com vigência imediata.
Em 2023, o mesmo expediente foi adotado com o imposto de exportação sobre petróleo bruto, cuja alíquota de 9,2% foi instituída por medida provisória e vigorou por quatro meses com o objetivo de compensar perdas de arrecadação com a desoneração de combustíveis.
Esses episódios seguem o mesmo roteiro: um tributo extrafiscal é acionado como solução arrecadatória de curto prazo, sob a justificativa de que a Constituição permite esse tipo de ajuste por decreto.
O que está em jogo aqui é mais do que a técnica tributária —trata-se da transparência do processo de criação de tributos e do respeito às garantias constitucionais dos cidadãos.
Se o IOF é utilizado com finalidades fiscais, ele deixa de ser regulatório e deve, portanto, obedecer aos mesmos princípios que regem os demais tributos, como legalidade estrita, anterioridade e debate parlamentar.
Essa prática recente revela um padrão mais amplo da política tributária atual, marcada por decisões oportunísticas, orientadas por interesses arrecadatórios de curto prazo, por vezes justificadas sob o argumento de que estariam corrigindo “distorções” do sistema.
O problema é que essa noção de distorção tem sido empregada com pouco cuidado técnico: toma-se uma fotografia estática de duas situações econômicas desiguais, igualam-se suas cargas ou tratamentos e declara-se eliminada a distorção.
O problema, contudo, é bem mais complexo. Os sistemas tributários operam sob múltiplas imperfeições simultâneas. A correção isolada de uma assimetria, preservando outras, pode, na verdade, agravar a ineficiência global do sistema. Esse fenômeno é conhecido na economia como Argumento do Segundo Melhor (Second Best Theory).
Sem um plano coordenado de reforma e sem considerar os efeitos combinados das intervenções, o que se obtém não é um sistema mais justo ou mais eficiente, mas sim um mosaico arbitrário de ajustes fragmentados. A retórica de maior racionalidade e de redução de distorções é utilizada para aumentar a arrecadação, ampliando algumas distorções existentes.
Isso ocorreu, por exemplo, na proposta de tributação de fundos de investimento. Os fundos exclusivos passaram a ser tributados como os fundos abertos, mas outras formas de investimento continuaram isentas de tributação.
Os problemas não param aí. O Governo federal critica frequentemente as altas taxas de juros e o elevado spread bancário. Contudo, por meio da medida do IOF, instituiu um tributo de 3,5% sobre o custo do crédito para as empresas, aumentando o spread bancário e as taxas de juros.
Uma das medidas contidas no aumento do IOF significava impor controle de capitais nas operações cambiais, como ocorria no Brasil na segunda metade do século 20 e no governo Kirchner na Argentina.
O governo voltou atrás, mas ficou a percepção que não foi apenas incompetência. Existe uma agenda de intervenções arbitrárias para tapar o buraco da inconsistência do arcabouço fiscal.
A política tributária parece estar sendo orientada por interesses de curto prazo, sem avaliar seus impactos econômicos sistêmicos, sem coordenação intertemporal nem transparência quanto aos critérios adotados. Ao fim, a promessa de eliminar distorções serve mais como retórica de legitimação do aumento da carga tributária do que compromisso com a eficiência econômica e a justiça fiscal.
O aumento recente do IOF merece atenção não apenas pelos seus impactos econômicos —prejudica consumidores, investidores e empresas. Ele evidencia uma fragilidade institucional crescente: a facilidade com que se contorna o processo legislativo para criar ou elevar tributos rapidamente, sem avaliação dos seus impactos sobre a sociedade.
As instituições de controle do Judiciário precisam enfrentar essa medida, sob pena de erosão dos limites constitucionais. Tributos excepcionais, quando se tornam regra, perdem seu nome —e ganham outro: arbitrariedade.