Mais de um século antes de a Tesla lançar seus primeiros carros, modelos como o Baker Electric Coupe e o Riker Electric Roadster já circulavam pelas ruas dos EUA. Os veículos movidos a bateria eram tão populares que, por um tempo, cerca de um terço dos táxis de Nova York eram elétricos.
Mas esses pioneiros começaram a perder espaço para uma nova geração de carros, como o Ford Modelo T, mais baratos e fáceis de reabastecer com combustíveis fósseis, que se popularizavam. Incentivada por subsídios fiscais federais nos anos 1920, a indústria do petróleo cresceu —e, com ela, os carros a gasolina.
Esse passado foi amplamente esquecido. Quase todos os primeiros elétricos desapareceram tão completamente que a maioria das pessoas hoje nunca viu um —e muitas nem sabem que existiram. Alguns exemplares ainda estão em museus ou coleções privadas, como um Baker Electric totalmente restaurado guardado pelo comediante americano Jay Leno em sua garagem na Califórnia.
O antigo carro de Leno tem estrutura de madeira e rodas de borracha de 36 polegadas. Parece uma diligência, mas é movido por motores e baterias elétricas, como um Tesla Model Y ou Cadillac Lyriq. Ao rodar pelas ruas de Burbank (EUA), recentemente, arrancou sorrisos e surpresa dos pedestres.
Apesar de parecer uma relíquia, o carro volta a ser relevante: os EUA podem estar prestes a repetir a história.
O governo Trump e parlamentares republicanos trabalham para frear o avanço dos elétricos, impor novos impostos e alterar políticas federais em favor da gasolina.
Estudiosos do setor veem paralelos entre a derrocada dos elétricos nos anos 1900 e os ataques atuais. Em ambas as épocas, esses carros enfrentaram resistência do mercado e entraves políticos. Um dos principais argumentos contra eles era a necessidade de recarga —considerada menos conveniente que o reabastecimento dos veículos a combustão.
“Carro elétrico é bom se você tem um guincho”, ironizou Donald Trump em comício no estado do Iowa, em outubro de 2023. No mês seguinte, disse: “Você não consegue sair de New Hampshire com um carro elétrico.”
Há um século, o acesso à eletricidade era uma barreira. Muitos americanos queriam explorar o país, mas áreas rurais e suburbanas não tinham rede elétrica. Em 1936, o presidente Franklin D. Roosevelt iniciou um programa de eletrificação, que só foi concluído nos anos 1970 —dificultando o uso dos elétricos em várias regiões.
Hoje, republicanos alegam que os elétricos não merecem subsídios fiscais e que a nova proposta apenas equilibra o jogo. Cem anos atrás, porém, o Congresso também interveio a favor do petróleo.
O domínio dos carros a combustão ampliou o acesso às viagens e impulsionou a economia dos EUA, mas também causou poluição urbana e se tornou um dos principais motores da crise climática.
Agora, o embate entre elétricos e a gasolina volta a ganhar força —e os elétricos podem estar em desvantagem, ao menos nos EUA.
Segundo a consultoria Rho Motion, as vendas de elétricos cresceram 35% na China e 25% na Europa nos quatro primeiros meses de 2025. Nos EUA, o avanço foi de apenas 11% no mesmo período, de acordo com a Kelley Blue Book.
Líderes republicanos propõem eliminar programas da gestão Biden voltados à promoção dos elétricos, como o crédito fiscal federal de US$ 7,5 mil. Também querem cobrar uma taxa anual de US$ 250 dos donos desses carros, para financiar obras rodoviárias.
Jay Leno, ex-apresentador do “Tonight Show”, dirige ao menos uma vez por ano seu Baker Electric 1909 pelas ruas de Burbank. O carro tem velocidade máxima de 40 km/h e autonomia de 130 km com carga cheia.
Com cabine alta e decoração vitoriana, tem dois bancos acolchoados frente a frente e cortinas nas janelas, pensado para acomodar os chapéus extravagantes das mulheres da época. O carro até tem um estojo de maquiagem embutido.
“O que os homens gostam? Algo que faz barulho e explode”, brincou Leno. “Por isso preferem a gasolina: eles assustam as crianças.”
Segundo ele, os elétricos têm muitas vantagens: exigem pouca manutenção, são rápidos e podem ser recarregados em casa à noite, quando a eletricidade é mais barata.
A ideia de recarga doméstica não é nova. Os primeiros carregadores surgiram há um século, embora fossem grandes e assustadores. “Parecia uma máquina do laboratório do Dr. Frankenstein”, disse Leslie Kendall, historiador do Petersen Automotive Museum, em Los Angeles.
Para ele, os elétricos poderiam ter prosperado, não fosse a falta de energia em muitas regiões, o tempo de recarga e o preço elevado. Um Modelo T custava US$ 650 em 1908, contra US$ 1.750 de um roadster elétrico.
“Você podia levar gasolina extra, mas não eletricidade”, disse.
Richard Riker, neto do pioneiro Andrew L. Riker, lembrou o principal obstáculo identificado por seu avô e que persiste até hoje: “Não havia postos de recarga nas esquinas, como ele dizia que precisava.”
Durante a presidência Biden, o Congresso destinou US$ 7,5 bilhões (R$ 42 bilhões) para instalar carregadores públicos. Trump interrompeu o programa.
Um dos carros de Andrew Riker, de meados da década de 1890 —um conversível de dois lugares que ainda roda a 24 km/h— está em exibição no Petersen, ao lado de outros modelos históricos e protótipos.
Apesar dos desafios, Riker mantém o otimismo: “Se você puder carregar um carro em cinco minutos e rodar 800 km, o motor a gasolina vira história.”