A Azul deu uma reviravolta e, na tentativa de se reequilibrar financeiramente, colocou a fusão com a dona da Gol no freezer, partindo para um pedido de recuperação judicial nos EUA, o Chapter11. Em entrevista ao Painel S.A., John Rodgerson, CEO da Azul, não quis comentar como fica a operação em curso com a Gol. Disse que, no momento, só mira uma solução para o problema de sua própria empresa. “Ao desalavancar a Azul voará mais alto”, disse.
Para ele, este processo será rápido porque a companhia chega à corte norte-americana com um acordo assinado entre os credores e ainda dois novos sócios, as gigantes United e American Airlines. No final, a Azul fará um upgrade de suas ações na B3, passando para o Novo Mercado, onde são negociadas somente ações com voto.
Recentemente, a Azul anunciou uma fusão com a dona da Gol. O que mudou? A situação financeira piorou?
Em 2019, a Azul pagava R$ 150 milhões em juros por ano. No ano passado, esse número passou para R$ 1,6 bilhão, valor que representou R$ 67 no preço de cada passagem. Há seis anos, eram R$ 10 por bilhete. Não recebemos ajuda no período da pandemia e ainda houve uma desvalorização cambial do real em 50%. A Azul carregava o peso desse passado nos ombros e estava se sufocando.
Com o Chapter 11, o acordo com os credores, e chegada de dois novos sócios estratégicos, a United e a American Airlines, poderemos alcançar voos mais altos e voltar a investir.
É inusitado ter duas concorrentes como acionistas. Que milagre ou promessa você fez para atraí-los?
Já temos um codeshare [parceria] de décadas com a United. A American viu nosso negócio e percebeu uma oportunidade até para ampliar voos no país. Há dez anos, ela operava oito destinos no Brasil. Hoje, é só Rio e São Paulo. O Brasil é o quinto maior mercado do mundo para ambas. Além disso, elas olharam para o nosso negócio. Descontando essa dívida, que não é culpa da Azul, a companhia é uma das mais rentáveis do mundo. E a que tem mais conexões dentro do Brasil.
Elas colocarão dinheiro novo?
Sim, mas só no final, depois da recuperação [via Chapter 11]. Normalmente, quando alguém faz esse processo [de recuperação], entra numa jornada de surpresas. Não sabe como vai sair, se terá dinheiro novo depois de renegociar [as dívidas]. Nós já estamos entrando com uma saída em mente. United e American entrarão com algo entre US$ 100 milhões e US$ 150 milhões cada.
E os credores?
No caso dos lessores [donas das aeronaves alugadas às aéreas] não haverá dinheiro novo. Eles passarão uma borracha nas dívidas que temos. A AerCap, dona de mais da metade das nossas aeronaves, concede um perdão de quase US$ 1 bilhão daquele passado da Covid, enches no Rio Grande do Sul e tudo mais. Nesse grupo, temos cerca de 15 empresas que trocarão as pendências por participação acionária. Entre os fundos e instituições financeiras credoras, que são oito, haverá um desconto de US$ 950 milhões das dívidas em troca de ações. Todos eles, incluindo o David Neeleman [fundador e controlador da Azul], assinaram esse documento para que a companhia vire essa página para voltar a investir na operação.
As participações societárias já foram definidas?
Ainda não. Isso vai depender do processo final de negociação do Chapter 11. O que posso dizer é que American e United terão assentos no conselho de administração da Azul com uma participação relevante. Mas não dá para dizer, neste momento, que os US$ 150 milhões serão 10% da Azul, por exemplo.
Qual o valor da dívida apresentada à Justiça dos EUA e qual a perspectiva de endividamento após a conclusão desse processo?
A dívida protocolada é de R$ 35 bilhões e, com as negociações, devemos sair com metade disso. Hoje temos uma alavancagem [nível de endividamento] de quatro vezes o Ebitda [lucro antes de juros, impostos, tributos, amortizações e depreciações] e esperamos que essa relação caia para 2 ou 2,5 vezes.
Em quanto tempo pretendem resolver esse assunto?
Da forma como estamos apresentando, já com um acordo de entrada [com os credores] e outro de saída, com a chegada dos dois novos sócios, acreditamos que tudo possa ser resolvido em seis meses e, no máximo, um ano.
Esse processo todo ocorre nos EUA. As autoridades brasileiras serão notificadas?
A única coisa que realmente precisará ser feita no Brasil é a mudança da nossa listagem na Bolsa. Passaremos a ser uma corporation [corporação] e, como tal, só teremos ações ordinárias.
Essa operação encerra a fusão com a Gol?
Eu quero focar no nosso futuro com essa operação agora.
Com Carlos Villela