Sete anos após proibir a exploração de urânio, fundamental para a energia nuclear, o governo da Suécia planeja voltar atrás. Relatório elaborado pelo Ministério do Clima e do Meio Ambiente pede liberação da extração de metais e minérios considerados “críticos” a partir de 1º de janeiro de 2026.
A mineração de urânio havia sido banida no país em agosto de 2018 por questões ambientais. As autoridades agora defendem que a autorização é fundamental para a redução das emissões de carbono e para que os suecos obtenham a independência energética.
“Não há mais motivo para manter essa proibição e a extração de urânio deve ser regulada pela mesmas regras de outros metais. Se a União Europeia pretende ser o primeiro continente a zerar as emissões, acesso a este tipo de metais e materiais sustentáveis precisa ser garantido”, defendeu Romina Pourmokhtari, ministra do Clima e do Meio Ambiente.
O principal depósito cobiçado por empresas do setor está na região de Viken, com cerca de 4.500 habitantes, a 570 km da capital Estocolmo. A quantidade estimada de urânio no subsolo é de 4,3 bilhões de toneladas. É considerado o maior território não explorado no mundo do componente.
Embora a comparação seja variável, de acordo com o tipo de reator nuclear, 1 quilo de urânio pode ser equivalente a 10 toneladas de carvão.
A intenção do governo sueco é que dois novos reatores sejam construídos até 2035 e outros dez até 2045, ao mesmo tempo em que planeja descarbonizar de forma gradativa a economia.
“Urânio pode ser explorado de forma segura e este é um passo fundamental para a Suécia ser autossuficiente em energia. A Suécia tem o desejo não apenas de explorar o urânio, mas processá-lo e enriquecê-lo. É um dos países mais importantes da Europa para extração desse minério. É uma grande oportunidade”, defende Gareth Ainsworth, CEO da District Metals, que adquiriu o direito de exploração nas áreas de Viken e Tombedo.
De acordo com a World Nuclear Association (Associação Mundial Nuclear), diversas empresas do setor estão interessadas na liberação.
Mas nem todos aprovam. Entidades ambientais e moradores das redondezas de Viken estão preocupados. Em audiências com executivos de companhias, centenas de pessoas compareceram para protestar.
Um dos motivos da revolta é que o banimento aconteceu em 2018, segundo ambientalistas, pelo risco de contaminação do solo e da água. O que mudou desde então?
“Eu apenas recebi uma carta dizendo que minha casa poderia ser comprada por preço de mercado por causa do interesse de uma mineradora. Isso aconteceu com muitas outras pessoas. A história mostra que não há como fazer isso [a exploração de urânio] de uma maneira boa e pode ser tornar uma catástrofe ambiental”, afirma Ida Asp, vice-presidente do conselho da cidade de Berg, uma das líderes na oposição ao fim do banimento.
Ela também alerta para a chance de poluição do lago Storjson, que fornece água potável para 55 mil residências na região.
A preocupação com a perda de sua propriedade é porque, pela lei sueca, qualquer empresa pode solicitar permissão para explorar minérios, desde que prove chances reais de que eles podem ser encontrados no subsolo de determinada área. Neste caso, os moradores podem ser donos do terreno, mas não do que está no subsolo.
A região de Viken é rica não apenas em urânio, mas em cobre, níquel e potássio.
“Em 2020, o governo sueco disse que esta forma de mineração era inaceitável. É um risco para florestas e plantações. É uma liberação que tem pouco a ver com transição energética”, reclama a Sociedade Sueca para Conservação da Natureza.
“Eu não sei como podem chamar isso de transição verde. Não sei como podem tentar nos convencer que temos de sacrificar necessidades ambientais para salvar o próprio meio ambiente. São falsas soluções. Apenas desculpas para explorar recursos naturais”, afirma o ambientalista Carl Schlyter, integrante do Partido Verde da Suécia.
A liberação de urânio também carrega cores geopolíticas. A Suécia não quer depender de combustíveis que vêm da Rússia. Após o início da Guerra da Ucrânia, o governo divulgou documento com recomendações à população como reagir o conflito caso ele se propague pela Europa.
O país assinou acordo nuclear com os Estados Unidos em agosto do ano passado para a construção em conjunto de pequenos reatores modulares que manejam o descarte nuclear. Outra acusação de opositores do projeto é de colonialismo porque, na teoria, a Suécia estaria atendendo a interesses externos. Os EUA também buscam não contar mais com os russos para enriquecer urânio.
No caso da Europa, o maior fornecedor de metais críticos é a China.
A descarbonização da economia deve aumentar a demanda por urânio. Pelos números da International Energy Agency (Agência de Energia Internacional), esta deve pular de 28 milhões para 43 milhões até 2040. A previsão é que o consumo do elemento químico cresça 33% na próxima década.
A World Nuclear Association afirma que há 16 reatores nucleares em construção hoje no mundo. Nas últimas décadas cerca de 100 plantas foram fechadas.
O repórter viajou a Estocolmo a convite da Electrolux