/ May 30, 2025

A guerra comercial não acabou – 28/05/2025 – Solange Srour

Ao comparar os níveis atuais das Bolsas globais com os patamares anteriores ao chamado Dia da Libertação —data em que a administração americana anunciou tarifas agressivas sobre produtos de cerca de 60 países—, a impressão inicial pode ser a de que o pior da guerra comercial tenha ficado para trás e que retornamos a um ambiente político e econômico relativamente estável.

Essa impressão, no entanto, não resiste aos fatos. Ainda que tenha havido uma suspensão temporária das chamadas tarifas “recíprocas”, a imposição de uma alíquota mínima de 10% para todos os países, somada às sobretaxas adicionais sobre a China relacionadas à crise do fentanil, eleva a tarifa média sobre importações nos Estados Unidos para mais de 17%. Trata-se de um choque tarifário de proporções inéditas: entre 7 e 8 vezes maior que o provocado pelo Smoot-Hawley Tariff Act, de 1930 —legislação que, ao tentar proteger a indústria americana durante a Grande Depressão, acabou agravando o colapso do comércio mundial.

Hoje, os Estados Unidos podem até conseguir evitar uma recessão profunda, mas escapar da estagflação é pouco provável.

Mais relevante do que o caos inicialmente projetado é o que isso representa a médio e longo prazo. A guerra tarifária entre EUA e China é apenas a manifestação mais visível de um conflito estrutural, muito mais profundo e inevitável. O verdadeiro embate é pela liderança global com suas raízes fincadas em questões tecnológicas, geopolíticas e estratégicas.

A disputa vai além de uma tentativa americana de retomar seu protagonismo na manufatura global. Washington busca exercer um certo controle sobre as cadeias produtivas e conter o avanço tecnológico chinês, sobretudo em setores nos quais a fronteira entre o uso civil e militar é cada vez mais difusa —como semicondutores, robótica, inteligência artificial e telecomunicações. Nesse contexto, há uma preocupação crescente com o domínio de insumos críticos, como as terras-raras, essenciais para a produção de veículos elétricos, turbinas eólicas, equipamentos médicos e sistemas de defesa.

Do ponto de vista chinês, a política comercial americana vem sendo usada como instrumento geoeconômico para construir um “cinturão de segurança” ao redor dos EUA e de seus aliados. Um exemplo concreto é o acordo comercial entre EUA e Reino Unido —o primeiro firmado após o endurecimento tarifário americano. O pacto permite a Washington interferir em transações envolvendo empresas chinesas em setores estratégicos, como aço e farmacêuticos. O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, já sinalizou a intenção de estender cláusulas semelhantes a outros aliados, como Japão e Coreia do Sul.

Apesar dessas pressões, a ideia de isolar economicamente a China parece remota. O país lidera o comércio de bens, com cerca de 15% das exportações e 10% das importações globais, sendo o principal parceiro comercial de mais de 120 países e o responsável por mais de 30% da produção manufatureira global em 2023.

Estamos, portanto, diante de uma rivalidade estrutural entre duas superpotências. Os efeitos colaterais dessa disputa já se fazem sentir e podem se intensificar nos próximos anos. É provável que o mundo caminhe para uma divisão em dois grandes blocos comerciais: um orbitando os EUA e o outro centrado na China —uma espécie de “Segunda Guerra Fria”.

Enquanto os mercados continuam apostando em reversões cíclicas, estimulados por recuos táticos e sucessivos adiamentos de prazos por parte de Trump, a fragmentação geoeconômica ameaça corroer os pilares da globalização, elevando custos e incertezas em um mundo cuja interdependência econômica é muito maior do que na antiga disputa entre EUA e União Soviética.


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