Donald Trump ficou com opções legais limitadas para impor tarifas globais abrangentes após a decisão da Justiça americana que invalidou as tarifas anunciadas pelo presidente americano no chamado “Dia da Libertação”, em abril.
O Tribunal de Comércio Internacional dos EUA decidiu que Trump usou de forma indevida a lei de poderes econômicos emergenciais —a IEEPA (International Emergency Economic Powers Act)— ao decretar, no mês passado, tarifas generalizadas com o objetivo de reduzir o déficit comercial com diversos países.
Juristas apontam que o tribunal deixou claro que a IEEPA, criada durante a Guerra Fria para lidar com ameaças à segurança nacional, não foi concebida para resolver desequilíbrios na balança comercial.
O governo anunciou que vai recorrer. Se a decisão for mantida, Trump terá de buscar outras bases legais para novas tarifas.
Para Lorand Bartels, professor de direito comercial internacional da Universidade de Cambridge, a sentença fundamentou de forma sólida que a IEEPA não pode ser usada para questões comerciais e que, para isso, o caminho previsto na legislação americana seria a Seção 122 da Lei de Comércio de 1974. Essa seção autoriza o presidente a impor tarifas temporárias quando houver déficits graves na balança de pagamentos dos EUA.
No entanto, segundo Bartels, essa via oferece poderes bastante limitados: o presidente só pode aplicar tarifas de até 15% por no máximo 150 dias, sendo necessário obter autorização adicional do Congresso para prorrogar a medida.
“A decisão deixa claro que o caminho legal para lidar com desequilíbrios comerciais é a Seção 122, mas os limites são rígidos. A melhor chance de Trump, do ponto de vista legal, seria mudar a lei para ampliar esses poderes”, afirmou.
A decisão judicial, no entanto, não invalida as tarifas aplicadas com base na Seção 232, que ainda cobrem setores como aço, alumínio e automóveis. Essas tarifas têm sido justificadas tanto pelo governo Trump quanto pelo governo Biden como medidas de proteção à segurança nacional.
O governo Trump continua conduzindo investigações com base na Seção 232 em outros setores, como o farmacêutico e o aeroespacial, o que pode resultar em novas tarifas —mas não na escala abrangente das anunciadas em abril, com alíquota base de 10%.
Outras possibilidades legais, segundo a professora Mona Paulsen, da London School of Economics, incluem a Seção 338 da Lei Tarifária de 1930. Essa norma, nunca utilizada, permite ao presidente impor tarifas caso empresas americanas estejam sendo alvo de discriminação comercial considerada “irrazoável” por parte de governos estrangeiros.
Nessa categoria entram sobretaxas, exigências ou regulações injustificadas. O teto tarifário previsto pela norma é de 50% —exatamente o valor que Trump chegou a ameaçar aplicar contra a União Europeia na semana passada, antes de recuar.
“Quando ele anunciou a tarifa de 50% sobre produtos europeus, muitos juristas se perguntaram se Trump estaria testando os limites da Seção 338”, disse Paulsen. “Talvez ele tenha mostrado suas cartas.”
Uma terceira opção seria ampliar o uso da Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, que se sobrepõe parcialmente à Seção 338. Essa cláusula permite que o Representante de Comércio dos EUA imponha tarifas contra países que violem acordos comerciais de forma discriminatória. Foi essa a base legal usada pelo primeiro governo Trump, em 2018, para sobretaxar produtos chineses, sob alegação de violações de propriedade intelectual e transferência forçada de tecnologia.
A recente decisão judicial aumentou a pressão para que Trump leve sua política tarifária ao Congresso, incorporando-a ao seu projeto de reforma tributária. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada por apenas um voto de diferença, mas ainda precisa ser votada pelo Senado.
Para Charles Benoit, assessor jurídico da Coalizão por uma América Próspera — grupo bipartidário que representa produtores e trabalhadores nos EUA —, a medida só ganharia estabilidade se tivesse respaldo legal mais sólido.
“Estamos planejando arrecadar US$ 3 trilhões (R$ 17 trilhões) em tarifas na próxima década, e vamos confiar na IEEPA para isso? E o Congresso não vai legislar? É uma péssima ideia”, criticou Benoit em vídeo publicado na rede X.